Discute-se, neste artigo, quais são os efeitos produzidos pela assinatura de um contrato de locação de imóvel por um dos coproprietários, ainda que sem a anuência de todos os demais.
Se o locador do imóvel transmitiu ao locatário a posse direta do bem, infere-se que a contratação é plenamente válida, tendo o locador legitimidade para ajuizar a ação de despejo por falta de pagamento e para cobrar os alugueis inadimplidos, sendo certo que eventual irregularidade constatada pela ausência de autorização dos demais coproprietários para que o locador direto possa locar o imóvel deve ser dirimida entre eles, pela via apropriada, não ensejando a nulidade da locação, sob pena de enriquecimento ilícito do locatário¹.
No que tange ao instituto do condomínio, observa-se que o direito brasileiro adotou a teoria da propriedade integral ou total. Desse modo, “cada condômino tem a propriedade plena e total sobre a coisa, o que é limitado pelos direitos dos demais” (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. 3. ed. São Paulo: Método, 2013, pág. 946).
Washington de Barros Monteiro destaca, ainda, que, no caso de condomínio, há uma propriedade “(…) sobre toda a coisa, delimitada naturalmente pelos iguais direitos dos demais consortes; entre todos se distribui a utilidade econômica da coisa; o direito de cada condômino, em face de terceiros, abrange a totalidade dos poderes imanentes ao direito de propriedade; mas, entre os próprios condôminos, o direito de cada um é autolimitado pelo de outros, na medida de suas quotas, para que possível se torne sua coexistência” (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil brasileiro. Direito das coisas. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, págs. 205/206).
Por esse motivo, admite-se que qualquer um dos condôminos reivindique a coisa de terceiro e defenda a sua posse, conforme previsto no caput do art. 1.314 do Código Civil. No entanto, para que seja alterada a destinação da coisa, ou para dar posse, é necessário o consenso dos condôminos². Com relação ao consenso, mencionado pela lei, importante levar em consideração os ensinamentos de Paulo Lôbo: “A alusão que a lei faz ao ‘consentimento dos demais’ (CC, art. 1.314, parágrafo único) remete-o ao critério comum da deliberação, ou seja, da maioria absoluta das partes ideais; a lei não exige unanimidade”. (Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2020).
Ao comentar o referido dispositivo, Tartuce observa, ainda, que, na hipótese de cessão da posse sem anuência dos demais coproprietários, “caberá ação de reintegração de posse em face do terceiro” (Manual de Direito Civil. Volume único. 3. ed. São Paulo: Método, 2013, pág. 947).
Assim, ainda que seja exigível a anuência da maioria absoluta dos coproprietários para dar posse da coisa comum a terceiros, não é possível afirmar que eventual inexistência desse consentimento enseje a nulidade do contrato de locação, tornando-o incapaz de produzir qualquer efeito jurídico.
O Superior Tribunal de Justiça entendeu que a ausência de anuência dos coproprietários não tem o condão de ensejar a nulidade do contrato de locação celebrado por um coproprietário do imóvel, tampouco para afetar a relação com o locatário, em caso de inadimplência.
Oportuno observar que a lei nem sequer exige a condição de proprietário para sua celebração. Como destacado por Rodolfo Palplona Filho e Pablo Stolze Gagliano: “Embora pareça lógico imaginar que o mais natural é que o locador seja proprietário do bem, nada impede que o mero possuidor alugue o bem de que não tenha a titularidade do domínio. Afinal de contas, o contrato de locação não é translativo de propriedade (e, consequentemente, de posse indireta), mas, sim, fonte de obrigações pessoais”.
Sobre o tema, CUNHA GONÇALVES observa que: “A locação de coisa alheia será válida enquanto durar a posse do locador; e somente ficará sem efeito quando a coisa locada for reivindicada pelo seu verdadeiro proprietário, pois ficando evicto o locador, evicto ficará também o locatário’. (…) Ademais, a possibilidade de sublocação também ratifica a possibilidade de alguém, que não é proprietário, mas mero possuidor, poder locar um bem’”. (Novo Curso de Direito Civil: Contratos. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2020).
É o necessário a considerar, permanecendo o corpo jurídico disponível para dirimir quaisquer dúvidas.
Texto da advogada Nara Juliana Sobreira Pereira da Silva