Inicialmente, importante esclarecer que o trânsito em julgado de uma decisão judicial se opera quando não há possibilidade de recorrer ou se precluso o prazo para interposição de recursos, tornando assim a decisão definitiva e exigível.
A desconsideração da personalidade jurídica é o instituto que permite que os débitos e obrigações originalmente da empresa atinjam bens dos sócios. Para tanto, é imprescindível que estejam configurados os requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil, quais sejam, abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. Tais situações justificariam a desconsideração, que deve ser reconhecida por decisão judicial.
Nesse contexto, em recentíssima decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi consignado que mesmo com o trânsito em julgado da decisão que desconstituiu a personalidade jurídica de uma empresa, tal ocorrência não impede que os sócios posteriormente incluídos na ação discutam a ausência de requisitos para a decretação da medida, uma vez que o trânsito em julgado não atinge quem não integrava a demanda originalmente.
O tribunal de origem entendeu que a discussão sobre a desconsideração da personalidade jurídica já estaria preclusa por força do trânsito em julgado da decisão que decretou a medida, contudo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi diverso, considerando que não há que se falar em preclusão da decisão para os sócios, tendo em vista que a desconsideração aconteceu em fase processual anterior ao ingresso destes no processo.
Por oportuno, segue o que foi pontuado em julgamento pelo ministro relator, Villas Bôas Cueva: “Verifica-se que o trânsito em julgado da decisão que determinou a desconsideração da personalidade jurídica tornou a matéria preclusa apenas quanto à pessoa jurídica originalmente executada, não sendo possível estender os mesmos efeitos aos sócios, que não eram partes no processo nem tiveram oportunidade de exercer o contraditório e a ampla defesa”.
Desse modo, imprescindível para assegurar o respeito ao direito de defesa e ao devido processo legal que seja garantido aos sócios a possibilidade de produzirem prova apta a demonstrar a ausência dos requisitos legais autorizadores da desconsideração da personalidade jurídica e, por conseguinte, de sua responsabilidade pessoal.
De mais a mais, a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica exige a comprovação de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade, isto é, ato intencional dos sócios com o intuito de fraudar terceiros ou confusão patrimonial, requisitos estes que não se presumem mesmo em caso de dissolução irregular ou de insolvência da sociedade empresária, motivo pelo qual cogente que seja oportunizado aos sócios responder ao pedido, para posteriormente verificar se cabível estender a relação processual para que os sócios respondam juntamente com a pessoa jurídica.
Portanto, conforme atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a decretação da desconsideração da personalidade jurídica somente será válida caso sejam os sócios devidamente citados para impugnar ao pedido – caso contrário, ainda que a decisão sobre a medida já tenha transitado em julgado, deverá ser oportunizada a discussão processual acerca do tema.
Texto de Laurie Madureira Duarte