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STF: Imposto de Renda não incide sobre transmissão de bens por doação e antecipação de legítima

21 de Agosto, 2023



Uma decisão recente proferida por maioria da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal sobre a não incidência do Imposto de Renda sobre ganho de capital em antecipação de legítima (AgR nº ARE 1.387.761/ES, julgada em 22 de fevereiro de 2023) deve ser comemorada – ainda que com cautela, vez que coerente com o regime de competências criado pelo constituinte.

A legislação brasileira prescreve – no art. 3º, § 3º, da Lei nº 7.713/1988, combinado com o art. 23, § 2º, inciso II, da Lei nº 9.532/1997 – que, na apuração do ganho de capital, serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos, inclusive na doação:

art. 3º, § 3º, da Lei nº 7.713/88

“Art. 3º O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei.
[…]
§ 3º. Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins.”

art. 23, § 2º, inciso II, da Lei nº 9.532/97

“Art. 23. Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador.
[…]
§ 2º. O imposto a que se referem os §§ 1º e 5º deverá ser pago:
[…]
II – pelo doador, até o último dia útil do mês-calendário subseqüente ao da doação, no caso de doação em adiantamento da legítima;”

No julgamento do Agravo Interno em Recurso Extraordinário com Agravo, restou assim ementada a decisão proferida pela 1ª Turma por maioria de votos:

“Ementa:

DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPOSTO SOBRE A RENDA. GANHO DE CAPITAL. ANTECIPAÇÃO DE LEGÍTIMA. AUSÊNCIA DE ACRÉSCIMO PATRIMONIAL. VEDAÇÃO À BITRIBUTAÇÃO

1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a recurso extraordinário com agravo interposto em face de acórdão que afastara a incidência do imposto de renda sobre o ganho de capital apurado por ocasião da antecipação de legítima (Lei n° 7.713/1988, art. 3º, § 3º; e Lei nº 9.532/1997, art. 23, § 1º e § 2º, II).

2. Esta Corte possui entendimento de que o imposto sobre a renda incide sobre o acréscimo patrimonial disponível econômica ou juridicamente (RE 172.058, Rel. Min. Marco Aurélio). Na antecipação de legítima, não há, pelo doador, acréscimo patrimonial disponível. Acórdão alinhado à jurisprudência desta Corte.

3. O constituinte repartiu o poder de tributar entre os entes federados, introduzindo regras constitucionais, que, sobretudo no que toca aos impostos, predeterminam as materialidades tributárias. Esse modelo visa a impedir que uma mesma materialidade venha a concentrar mais de uma incidência de impostos de um mesmo ente (vedação ao bis in idem) ou de entes diversos (vedação à bitributação). Princípio da capacidade contributiva.

4. Admitir a incidência do imposto sobre a renda acabaria por acarretar indevida bitributação em relação ao imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD).

5. Agravo interno a que se nega provimento.”

A 1° Turma do STF decidiu que o Imposto de Renda sobre ganho de capital não incide sobre a valorização de imóveis doados ou recebidos por meio de herança/antecipação de legítima. Restou decidido que o ganho de capital apurado em razão da antecipação de legítima (doação celebrada de ascendente para descendente) não configura acréscimo patrimonial para o doador e, portanto, não atrai a tributação do Imposto de Renda. O ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, inclusive relatou que “admitir a incidência do imposto sobre a renda acabaria por acarretar indevida bitributação em relação ao imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD)”. Lembrando que o ITCMD, previsto no art. 155, I, da CF/1988, é o imposto de competência dos estados e do Distrito Federal que incide na sucessão (transmissão causa mortis) e na doação.

Prevaleceu o entendimento no STF de que as vantagens são atribuídas apenas ao donatário (quem recebe), enquanto o doador sofre redução do seu patrimônio. O Imposto de Renda incide sobre o acréscimo patrimonial disponível econômica ou juridicamente. Logo, se, com a doação, o doador se desfaz de seu patrimônio, este fato jurídico não é gerador de aquisição de disponibilidade econômica.

A divergência ficou por conta da ministra Carmen Lúcia, proferindo voto (vencido) no sentido de que as normas que preveem a tributação do ganho de capital não inovam sobre o fato gerador do Imposto de Renda e tratam apenas da definição do momento para a apuração do ganho de capital tributável.

Neste ponto, em uma rápida abordagem, cumpre registrar que, nos termos do art. 23 da Lei nº 9.532/1997, o donatário ou o herdeiro que adquire um bem oriundo de doação ou antecipação de legítima/herança tem a opção de declará-lo na declaração de ajuste anual do Imposto de Renda pelo valor histórico do bem (custo de aquisição) ou pelo valor atual de mercado. Optando pela declaração do valor de mercado, a diferença a maior entre este valor e o que constava da declaração de ajuste do doador ou do de cujos estará sujeita à apuração do ganho de capital e incidência do Imposto de Renda.

O julgamento em análise não tem efeito erga omnes (não pode ser estendido a todos), nem possui efeito vinculante (não constitui uma orientação “obrigatória” a ser seguida por juízes de primeira instância e tribunais), mas representa importante precedente a ser conjecturado em planejamentos tributários e sucessórios, bem como sinaliza possiblidade de recuperação de crédito tributário pago a tal título nos últimos cinco anos.

O escritório VK Advocacia Empresarial acompanhará com a devida atenção os desdobramentos do julgado em referência e encontra-se à disposição para maiores esclarecimentos, bem como para orientações que se fizerem necessários.

Autora
Viviane Araújo de Aguiar
OAB/MG: 86.886