Como é de conhecimento dos contribuintes, o Estado de Minas Gerais instituiu o Plano de Regularização de Créditos Tributários, por meio da Lei nº 22.549 de 30 de junho de 2017, visando regularizar a situação fiscal dos contribuintes inadimplentes e gerar arrecadação de receitas para melhorar a eficiência na gestão de suas finanças públicas.
No entanto, a maioria dos Estados que instituem tais programas adotam prática de exigir honorários sucumbenciais em duplicidade, ou seja, o exige tanto sobre o valor total do Crédito Tributário consolidado quanto sobre cada um dos embargos à Execução Fiscal existentes e/ou qualquer ação de conhecimento proposta pelo contribuinte relacionada ao mesmo crédito, onerando consideravelmente o contribuinte quem busca regularizar sua situação para com o Fisco.
Ocorre que tal prática vem sendo debatida perante nossos tribunais, havendo ainda grande controvérsia acerca de sua legalidade, mas com consideráveis decisões favoráveis ao contribuinte.
Os pontos cruciais que nos levam à conclusão acerca da ilegalidade da cobrança dos honorários sucumbenciais da forma com vem sendo realizada, acarretando duplicidade de exigência, especialmente com relação à Lei nº 22.549/2017 do Estado de Minas Gerais, são os seguintes:
• Determina o art. 5º, parágrafo 4º, inciso II da Lei 22.549/17 que os benefícios concedidos pelo Plano de Regularização de Créditos Tributários ficam condicionados:
a) à desistência de ações ou embargos à execução fiscal, nos autos judiciais respectivos, e à desistência de impugnações, defesas e recursos apresentados no âmbito administrativo;
b) à renúncia ao direito sobre o qual se fundam ou se fundariam as ações judiciais;
c) à desistência, pelo advogado do sujeito passivo, de cobrança ao Estado de eventuais honorários de sucumbência;
d) ao pagamento das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios;
Ou seja, para o contribuinte aderir ao “Novo Regularize” terá que desistir das ações de embargos à execução e demais ações judiciais que tenha proposto visando discutir os débitos inseridos no Programa, renunciando ao direito sobre ao qual se fundam e abrindo mão de qualquer discussão acerca do crédito tributário nelasenvolvido.
Por sua vez, o Decreto nº47.210/17, que tem como único e exclusivo objetivo regulamentar a Lei 22.549/17, determina em seu artigo 13,o seguinte:
Art. 13 – Serão devidos pelo requerente honorários advocatícios fixados nos seguintes percentuais, calculados sobre o valor do crédito tributário apurado com as reduções previstas neste decreto, observados o mesmo número de parcelas e datas de vencimento do crédito tributário:
I – 5% (cinco por cento) para pagamento à vista ou mediante parcelamento em até doze parcelas;
II – 7,5% (sete inteiros e cinco décimos por cento) para pagamento em até trinta e seis parcelas;
III – 10% (dez por cento) para pagamento mediante parcelamento superior a trinta e seis parcelas.
§ 1º – O disposto no caput aplica-se também ao crédito tributário objeto de ação ajuizada pelo contribuinte, ainda que não inscrito em dívida ativa.
§ 2º – Os honorários devidos na forma do caput e do § 1º não compreendem, não prejudicam e não se compensam com os honorários devidos ou fixados em processo judicial promovido pelo contribuinte para discussão do crédito tributário.
Vale dizer, ao aderir ao “Novo Regularize”, dependendo do número de parcelas em que se der a adesão, o contribuinte terá que arcar com o pagamentono percentual de 5%, 7,5% ou 10% sobre o valor total do Crédito Tributário consolidado, a título de honorários de sucumbência pertencentes aos d. Procuradores do Estado de Minas Gerais.
No entanto, extrapolando o que a Lei determina, estabelece o Decreto em questão que os honorários devidos não prejudicam e não compreendem os honorários devidos ou fixados em processo judicial promovido pelo contribuinte para discussão do Credito Tributário que foi inserido no Plano de Regularização.
Em resumo, o contribuinte terá que pagar o percentual determinadoa título de honorários ao Estado sobre a integralidade dos débitos inseridos no “Novo Regularize” e, apesar de já estar pagando esse percentual, terá que pagar novamente, sobre o mesmo débito, sobre a mesma rubrica de honorários sucumbenciais, nova verba sucumbencial caso haja alguma discussão judicial interposta pelo contribuinte, como embargos à execução fiscal, ação anulatória de débito fiscal e outras.
Ocorre que, além de questões técnicas, não há como prevalecer tal prática por mero senso de justiça, uma vez que tal duplicidade de cobrança gera enriquecimento ilícito por parte do Estado, onerando sobremaneira o contribuinte que tem como objetivo exatamente regularizar sua situação para com o mesmo.
Com relação às questões técnicas, não sendo este um artigo cientifico, basta uma breve menção acerca dos pontos que levam à ilegalidade da duplicidade da cobrança, sendo os seguintes:
i) O citado Decreto é um ato do Poder Executivo, que tem o único objetivo que regulamentar a Lei 22.549/17. Assim, não pode extrapolar seus ditames instituindo obrigação nova nela não prevista.
ii) A Lei 22.549/17 apenas determina que os honorários advocatíciossão devidos. No entanto, não permite que esses sejam cobrados em duplicidade, uma vez sobre o crédito tributário parcelado ou pago à vista e outra sobre esse mesmo crédito tributário quando em discussão judicial, da qual o contribuinte é obrigado a desistir como condição para adesão ao Plano de Regularização de Crédito Tributário;
iii) Havendo a obrigação do pagamento de percentual sobre o Crédito Tributário a título de honorários advocatícios ao Estado de Minas Gerais, como determina a Lei 22.549/17, entende-se que há um acordo entre Estado e contribuinte, que prevê o pagamento da verba honorária extrajudicialmente (5%, 7,5% ou 10%) sobre a integralidade do Crédito Tributário exigido. Sendo assim, não há como exigir mais uma vez do contribuinte nova verba honorária, sob pena de bis in idem(cobrança em duplicidade sobre mesmo fato).
Enfim, importante esclarecer que esta ainda é uma questão polêmica em nossos tribunais, havendo tanto decisões favoráveis aos contribuintes quanto decisões que lhes são contrárias.
A título exemplificativo, seguem algumas decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendendo pela impossibilidade de nova condenação em honorários quando estes já foram pagos extrajudicialmente.
“EMBARGOS DO DEVEDOR. PROGRAMA DE PARCELAMENTO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ADESÃO. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. PAGAMENTO. NOVA CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. BIS IN IDEM.
– Ao aderir o programa de parcelamento, o contribuinte fica obrigado ao pagamento de honorários advocatícios. Dessa forma, havendo o pagamento da verba honorária extrajudicialmente, não há como exigir sua quitação novamente pelo contribuinte, sob pena de configurar bis in idem. (TJMG – Apelação Cível 1.0024.07.596684-6/001, Relator(a): Des.(a) Dárcio Lopardi Mendes , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/09/2017, publicação da súmula em 03/10/2017)
“APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS DO DEVEDOR – AUSÊNCIA DE NULIDADE – PROGRAMA DE PARCELAMENTO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO – ADESÃO – HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA – PAGAMENTO – NOVA CONDENAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – BIS IN IDEM. Certo é que o Magistrado precisa fundamentar suas decisões. Todavia, pode fazê-lo de forma sucinta, e objetiva, desde que, de seu teor seja possível aferir o motivo que o levou a julgar procedente ou não o pedido. Ao aderir ao programa de parcelamento, o contribuinte fica obrigado ao pagamento de honorários advocatícios. Dessa forma, havendo o pagamento da verba honorária extrajudicialmente, não há como exigir sua quitação novamente pelo contribuinte, sob pena de configurar bis in idem. (TJMG – Apelação Cível 1.0000.16.070489-6/002, Relator(a): Des.(a) Dárcio Lopardi Mendes , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/06/0018, publicação da súmula em 22/06/2018)
Em todas as decisões favoráveis ao contribuinte é mencionada a decisão proferida em sede de recurso repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça, que, apesar de referir-se a Programa de Parcelamento Federal, guardadas as devidas proporções, cuida das mesmas questões ora examinadas :
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INOVAÇÃO RECURSAL EM SEDE DE AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. ADESÃO A PROGRAMA DE PARCELAMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. SUCUMBÊNCIA INCLUSA NO ENCARGO DE 20% PREVISTO NO DECRETO-LEI Nº 1.025/69. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C, DO CPC). RESP PARADIGMA 1.143.320/RS. 1. A apresentação, pela agravante, de novos fundamentos para viabilizar o provimento do recurso especial representa inovação recursal, vedada no âmbito do agravo regimental. 2. A Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.143.320/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos (art. 543-C, do CPC), reiterou o entendimento há muito consolidado nesta Corte Superior de que “em se tratando de desistência de embargos à execução fiscal de créditos da Fazenda Nacional, mercê da adesão do contribuinte a programa de parcelamento fiscal, descabe a condenação em honorários advocatícios, uma vez já incluído, no débito consolidado, o encargo de 20% (vinte por cento) previsto no Decreto-Lei 1.025/69, no qual se encontra compreendida a verba honorária” (REsp 1.143.320/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 12.05.10, DJe 21.05.10). 3. Aplica-se ao caso a multa do art. 557, §2º, do CPC no percentual de 2% (dois por cento) sobre o valor da causa, por questionamento de matéria já decidida em recurso repetitivo. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 1.217.190/DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 08/02/11, DJe 18/02/11).
Sendo assim, aguardamos o posicionamento definitivo do Poder Judiciário acerca da ilegalidade e injustiça cometida pelos Estados ao tentar onerar o contribuinte com a indevida exigência de dupla verba honorária sobre o mesmo débito fiscal, via Decreto Estadual, no momento em que o contribuinte visa exatamente regularizar sua situação perante o Fisco estadual e equalizar suas finanças.
Texto de Juliana Campos Rocha
Advogada Tributária