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O ARTIGO 36 DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE E SEU IMPACTO NAS DECISÕES JUDICIAIS

17 de Outubro, 2019



A Lei de Abuso de Autoridade foi sancionada em 5 de setembro, porém, somente em 27 de setembro – última sexta-feira do mês – os trechos que anteriormente foram vetados pelo Presidente Bolsonaro acabaram por ser derrubados pelo Congresso Nacional, sendo assim sancionados para produzirem seus efeitos.

E mesmo antes de sua entrada em vigor, o dispositivo esculpido no artigo 36 da referida lei já vem causando impactos em decisões judiciais proferidas em todo o país. Isso porque, prevendo a possibilidade de serem enquadrados no cometimento de crime de abuso de autoridade, previsto no referido artigo, os Magistrados estão negando os pedidos de penhora dos bens dos executados através do sistema conveniado BACENJUD.

É que o referido artigo prevê que o juiz que decretar a penhora de valores considerados “exacerbados” estará praticando crime de abuso de autoridade e poderá ser penalizado com detenção de 01 (um) a 04 (quatro) anos e multa.

Vejamos:

Art. 36.  Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

O BACENJUD resultou de um convênio do Poder Judiciário com o Banco Central que facilita a penhora de valores na conta do devedor. O juiz passa a ordem de penhora ao sistema, porém, a resposta a esta requisição não é imediata, podendo extrapolar o prazo de 48 horas previsto.

Fato é que o próprio sistema pode bloquear valor superior à dívida (o bloqueio poderá recair sob várias contas bancárias do mesmo titular), assim como bloquear aquela conta protegida pelas regras de impenhorabilidade (o que não é de conhecimento do juiz). Também é possível que o valor bloqueado seja maior ao realmente devido em razão da equivocada apresentação dos cálculos pelo credor. Em todas as hipóteses, é certo que os equívocos nem sempre são facilmente constatados e, na maioria das vezes, a proatividade processual do executado é fundamental. É o que explicou o Juiz de Direito substituto Carlos Fernando Fecchio dos Santos, da 2ª Vara de Execução de Títulos Extrajudiciais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

“No caso de o bloqueio se realizar em quantia excessiva, seja em razão do próprio sistema BACENJUD, seja em razão do exequente, nem sempre a constatação é imediata, para que possa ser corrigida. Ela sempre dependerá da iniciativa do devedor e da prévia oitiva do credor, por força do art. 10 do CPC.”

Ora, o processo de execução é norteado pela unilateralidade do interesse do credor, que é quem informa o valor do crédito perseguido e apresenta planilha atualizando o débito. Na verdade, o exequente tem direito à satisfação do seu crédito e, no caminho para a sua obtenção, naturalmente poderá criar gravames ao executado.

E sendo o Juiz responsável pela condução de milhares de processos, nem sempre tal incorreção é rapidamente visualizada e corrigida, o que, com a nova lei, pode impor ao magistrado o cometimento de crime de abuso de autoridade.

O receio dos magistrados tem fundamento na insegurança jurídica que a referida lei impõe, já que, segundo o magistrado, “tais situações poderiam dar margem à conclusão de que haveria a conduta típica prevista no art. 36 da Lei contra o Abuso de Autoridade, numa pseudo-demora imputável ao Poder Judiciário, mas em verdade decorrente próprio sistema processual que impõe o contraditório no art. 10 do CPC.”

A situação é tão grave que o juiz Eduardo Ressetti Pinheiro Marques Vianna, de Palmas (PR), editou uma portaria suspendendo, em sua comarca, a penhora online de eventuais contas correntes e aplicações via BACENJUD, a partir de janeiro do ano que vem. Segundo ele, o artigo 36 da referida Lei é aberto no que se refere a expressões como “exacerbadamente” e “pela parte”, que não esclarecem se a lei se refere ao autor ou ao réu, e “exorbitante”.

O Poder Judiciário, ao garantir o crédito a quem tem direito, não traz apenas justiça ao cidadão, mas garante, em última análise, a pacificação social, sendo certo que o sistema BACENJUD era uma importante ferramenta na busca desses créditos pelo Estado no auxílio aos exequentes.

E, a continuar nessa toada, com a inutilização desse sistema por parte dos magistrados em razão da edição da Lei de Abuso de Autoridade, mais especificadamente, de seu artigo 36, a reparação material ficará pendente de eficácia, já que os créditos exequendos se tornarão inexigíveis.

 

Texto da advogada cível Cláudia Pires Duarte

 

Fontes:

https://www.conjur.com.br/2019-out-01/juiz-suspende-penhora-online-comarca-causa-lei-abuso

https://estevanfg.jusbrasil.com.br/artigos/764006287/adeus-bacenjud

https://www.conjur.com.br/2019-set-26/juiz-critica-ambiguidade-lei-abuso-negar-pedido-penhora

https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI311879,51045-Juiz+nega+penhora+por+receio+de+incorrer+na+lei+de+abuso+de+autoridade

https://www.conjur.com.br/2019-out-05/juiz-advogado-trocam-ameacas-autos-lei-abuso