A velha frase que diz que a justiça tarda, mas não falha não é tão positiva quanto parece. É assim no contexto da Justiça brasileira, ao menos nos Juizados Especiais. É sabido que a lei 9.099/95 é regida pelos princípios da celeridade processual, economia e simplicidade. Porém, os Juizados Especiais não estão cumprindo seu papel conforme ela o define.
A burocracia e a falta de magistrados suficientes para julgar todas as ações nos Juizados que são demandadas todos os dias no Brasil desanima muita gente a buscar seus direitos perante a Justiça. Além disso, essa demora ajuda a aumentar a descrença no Poder Judiciário.
Os Juizados Especiais Cíveis foram instituídos pela Lei 9.099/90, dando continuidade ao projeto da Lei 7.244/84, objetivando aproximar o Judiciário da população por meio de mudanças na forma de tratamento das demandas, reduzindo as formalidades e dando maior celeridade às decisões.
O advento da Constituição de 1988 e todo o seu arcabouço normativo visando assegurar o acesso à justiça, embora constituam formidável avanço jurídico, geraram expectativas que com o tempo se percebeu não serem atendidas a contento. O Poder Judiciário não estava preparado para o papel que lhe incumbiu a Constituição, sobretudo no que concerne a celeridade e eficiência. O avanço jurídico-normativo abriu o caminho da justiça aos cidadãos que, como forma de verem satisfeitos seus direitos consagrados na Carta Maior, passaram a provocar o Judiciário diante de suas demandas reprimidas, elevando o número de processos.
Somando-se isso às naturais evoluções tecnológicas e às transformações socioeconômicas iniciadas ao final do século XX, a dificuldade em lidar com as demandas sociais desvelou para a população a realidade estrutural do Poder Judiciário: burocrático, pouco eficiente, especialmente lento em razão da alta demanda – agravada pela carência de recursos, estrutura e legislação.
O desafio é ainda maior quando pensamos que celeridade e eficiência devem se atrelar à qualidade da prestação jurisdicional, não podendo os Juizados se converterem em um locus onde, pelo fato de tramitarem demandas pequenas, os julgamentos se dão às margens da segurança jurídica e da prestação jurisdicional escorreita. É o que assinala Barouche:
É premente conciliar os valores da celeridade com aqueles da segurança jurídica e da qualidade da prestação jurisdicional, sendo assim, mesmo trazendo em seu rito certas inovações para o ordenamento jurídico brasileiro, como a restrição aos recursos, proibição de reexame necessário, a redução de demandas nas varas de competência comum e tribunais regionais federais, a igualdade formal entre as partes, a supressão dos privilégios dos entes públicos, a satisfação dos pleitos com maior rapidez, entre outros, não se pode deixar que a segurança jurídica e efetiva tutela dos direitos sejam postas em segundo plano. A efetiva tutela dos direitos e a segurança jurídica devem sempre ser as premissas básicas de qualquer silogismo jurídico. A escolha do rito sumaríssimo e a busca pela celeridade processual não podem conduzir a uma queda na qualidade da prestação jurisdicional, tampouco violar o direito à ampla defesa e ao contraditório, afinal, o princípio da segurança jurídica se encontra intensamente relacionado com o Estado Democrático de Direito, podendo até mesmo ser considerado inerente ao mesmo.[1]
Outro estudo do CNJ, denominado Justiça em Números (2013)[2], reflete a realidade de estagnação do Poder Judiciário no que toca ao acervo processual:
As conclusões do estudo são as seguintes:
A taxa de congestionamento tem se mantido relativamente constante. Após pequeno aumento em 2010, caiu de 74,3% para 73,3% em 2012. A redução da taxa ocorreu de forma mais acentuada no 2º grau, que reduziu 5 pontos percentuais (p.p.). Já no 1º grau, houve redução em menos de 1 p.p. e aumentou quase 3 p.p nos juizados especiais. A Justiça Estadual vem diminuindo todos os anos a proporção de processos baixados frente aos casos novos, chegando em 2012 ao patamar de 96,2%. Isso significa que 3,8% dos processos que deram entrada em 2012 irão colaborar para o aumento de casos pendentes para o próximo ano. Observa-se que esse resultado foi ocasionado pelo 1º grau e juizados especiais. No 2º grau e nas turmas recursais, a avaliação é positiva, visto que o índice de baixados por caso novo está subindo. A produtividade, mensurada pela média de sentenças por magistrado, caiu quase 8% e alcançou o patamar de 1.423, equivalente a uma média de 120 sentenças proferidas a menos por magistrado.[3]
Estimou o CNJ que, em média, os Juizados têm levado 168 dias para realização da audiência prévia de conciliação, o que acaba ferindo os pressupostos de celeridade que se almeja no rito sumaríssimo desses órgãos. Resgatar essa característica prevista como princípio é necessário para que a atuação dos Juizados volte a ser condizente com os anseios da população e da Lei que os instituiu.
Para recuperar suas virtudes, os Juizados precisam não apenas resgatar os princípios que derem ensejo à sua criação, mas também evoluir qualitativamente no seu modo de atuação. Simplicidade e celeridade não podem servir de subterfúgio para isentar o dever fundamental a uma decisão adequada, assim como o juiz não pode ser um solipsista que decide suas causas por meio de suas próprias convicções teleológicas. O sistema de justiça encontra no Direito e na hierarquização do Poder Judiciário um dever de coerência e integridade que alicerçam a segurança jurídica, tantas vezes inobservada no rito resumido dos juizados.
Texto do advogado cível Luiz Gustavo Sobreira
[1] BAROUCHE, Tônia de Oliveira. Os Juizados Especiais Cíveis e a Problemática da Celeridade Processual, Revista de Direito dos Monitores da UFF, Rio de Janeiro. Disponível em <http://www.rdm.uff.br/index.php/rdm/article/download/132/79>, acesso em 10/02/2017.
[2] Justiça em Números (2013). Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/variados/sumario_executivo09102013.pdf>, acesso em 10/02/2017.
[3] Idem.