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Juizados especiais e acesso à Justiça

11 de Outubro, 2024



O presente artigo tem como objetivo analisar os juizados especiais cíveis desde seus ideais incentivadores, abordando a relação entre o acesso à Justiça e a cidadania, minudenciando o importante papel destes órgãos na garantia de acesso justo e igualitário à jurisdição para a população.

No ordenamento jurídico brasileiro, o acesso à Justiça foi elevado à categoria de direito social-fundamental, garantido subjetivamente a todos (CF, art. 5º, inc. XXXV), e, nele, se alicerçam todas as demais que objetivam a tutela dos direitos fundamentais. A falta ou a carência do acesso à Justiça macula diretamente a cidadania, consoante assinalava Thomas Marshall em sua sempre contemporânea obra Cidadania, Classe Social e Status. (MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.).

Como se observou no início desta abordagem, os Juizados Especiais Cíveis foram instituídos pela Lei n.º 9.099/1990, dando continuidade ao projeto da Lei n.º 7.244/1984, objetivando aproximar o Judiciário da população pelas mudanças na forma de tratamento das demandas, reduzindo as formalidades e dando maior celeridade às decisões.

A Constituição de 1988 e todo o seu arcabouço normativo visando assegurar o acesso à Justiça, embora constituam formidável avanço jurídico, geraram expectativas que, com o tempo, percebeu-se não serem atendidas a contento. O Poder Judiciário não estava preparado para o papel que lhe incumbiu a Constituição, sobretudo no que concerne à celeridade e à eficiência. O avanço jurídico-normativo abriu o caminho da Justiça aos cidadãos que, como forma de verem seus direitos consagrados na Carta Maior satisfeitos, passaram a provocar o Judiciário diante de suas demandas reprimidas, elevando o número de processos.

Soma-se isso às naturais evoluções tecnológicas e às transformações socioeconômicas iniciadas ao final do século XX, a dificuldade em lidar com as demandas sociais desvelou para a população a realidade estrutural do Poder Judiciário: burocrático, pouco eficiente, especialmente lento em razão da alta demanda – agravado pela carência de recursos, estrutura e legislação.

O desafio é ainda maior quando pensamos que celeridade e eficiência devem se atrelar à qualidade da prestação jurisdicional, não podendo os juizados se converterem em um local onde, pelo fato de tramitarem demandas pequenas, tenham seu julgamento às margens da segurança jurídica e da prestação jurisdicional escorreita. É o que assinala Barouche:

É premente conciliar os valores da celeridade com aqueles da segurança jurídica e da qualidade da prestação jurisdicional, sendo assim, mesmo trazendo em seu rito certas inovações para o ordenamento jurídico brasileiro, como a restrição aos recursos, proibição de reexame necessário, a redução de demandas nas varas de competência comum e tribunais regionais federais, a igualdade formal entre as partes, a supressão dos privilégios dos entes públicos, a satisfação dos pleitos com maior rapidez, entre outros, não se pode deixar que a segurança jurídica e efetiva tutela dos direitos sejam postas em segundo plano. A efetiva tutela dos direitos e a segurança jurídica devem sempre ser as premissas básicas de qualquer silogismo jurídico. A escolha do rito sumaríssimo e a busca pela celeridade processual não podem conduzir a uma queda na qualidade da prestação jurisdicional, tampouco violar o direito à ampla defesa e ao contraditório, afinal, o princípio da segurança jurídica se encontra intensamente relacionado com o Estado Democrático de Direito, podendo até mesmo ser considerado inerente ao mesmo. (BAROUCHE, Tônia de Oliveira. Os Juizados Especiais Cíveis e a Problemática da Celeridade Processual, Revista de Direito dos Monitores da UFF, Rio de Janeiro. Disponível em rdm.uff.br/index.php/rdm/article/download/132/79, acesso em 10/02/2017)

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estima que, em média, os juizados têm levado 168 dias para realização da audiência prévia de conciliação, o que acaba ferindo os pressupostos de celeridade que se almeja no rito sumaríssimo destes órgãos. Resgatar essa característica prevista como princípio é necessário para que a atuação dos juizados volte a ser condizente com os anseios da população e da Lei que os instituiu.

Ainda não existem estudos substantivos sobre a baixa eficácia dos recursos inominados e os erros judiciais cometidos nos juizados, embora seja comum a irresignação dos causídicos e seus procuradores no âmbito forense, não raro reclamando que seus julgadores decidem de forma padronizada e sem levar em consideração quaisquer de seus argumentos. Até porque a Lei n.º 9.099/1990, com uma pretensão cega de celeridade, ignorou a qualidade das decisões e tornou desnecessário a elaboração de relatório (art. 38 da Lei n.º 9.099/1990). Não raro também se ignoram súmulas e decisões superiores sem demonstrar qualquer distinção do caso posto sob julgamento e os precedentes que deram azo ao entendimento superior.

Ocorre que na práxis judicial brasileira, ambos os modelos sobrevivem de acordo com a conveniência das dezenas de milhares de juízes espalhados pelo país. Qual modelo seguem? Acaba dependendo-se da vontade de cada um. Em momentos, o juiz é escravo da lei, sem se importar com sua juridicidade-constitucionalidade. Quando não lhe convém a aplicação, por sua vez, afasta-se sua subsunção em nome do mero arbítrio subjetivo, geralmente lastreado em uma compreensão teleológica de que se está a fazer o que é justo.

Conclui-se, portanto, que investimentos em estrutura e pessoas são imprescindíveis para o alcance deste desiderato. Consoante se observou, o crescimento do acervo processual nas demandas da Lei n.º 9.099/1995 e o nível de estagnação processual faz com que, inexoravelmente, os servidores da justiça adotem posturas visando a eficiência, nem sempre preservando o aspecto qualitativo da condução processual e das decisões proferidas.

Escrito por
Luiz Gustavo Sobreira Pereira da Silva (OAB/MG: 129.523)