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Difal de ICMS nas operações interestaduais destinadas ao consumidor final não contribuinte

4 de Abril, 2022



Na interminável saga envolvendo o tão conhecido Difal de ICMS, novos capítulos estão sendo escritos pelos Tribunais de Justiça, que veem derrubando as liminares concedidas aos contribuintes para que estes recolham o Difal somente a partir do ano de 2023.

A disputa entre contribuintes e fisco estadual se iniciou devido ao fato destes últimos estarem exigindo o Difal incidente sobre operações interestaduais destinadas a consumidor final com base em convenio, sendo que a Constituição determina que é necessário a edição de Lei Complementar estabelecendo as normas gerais referentes à matéria, tais como definição dos contribuintes (sujeito passivo), base de cálculo, fato gerador etc.

Sendo assim, em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação Direta de inconstitucionalidade nº 5469, declarou ser inconstitucional a exigência do diferencial de alíquota do ICMS com base apenas em Convênio, por ausência de lei complementar estabelecendo as normas gerais de direito tributário atinentes a tal matéria.

Ocorre que, como o STF vem agindo corriqueiramente, os efeitos da decisão proferida foram modulados para que esta produzisse efeito a partir de 1º de janeiro de 2022, ou seja, apesar de a exigência do ICMS Difal incidente sobre operações interestaduais destinadas a consumidor final ser inconstitucional, nosso Poder Judiciário máximo “constitucionalizou” uma cobrança já declarada inconstitucional pelo próprio Supremo, podendo os estados manter a cobrança do inconstitucional Difal até dezembro de 2021, visando evitar prejuízo aos cofres públicos.

Assim, a partir de 1º de janeiro de 2022, determinou o STF que o Difal só poderia continuar sendo exigido se fosse editada Lei Complementar definindo as regras gerais de cobrança, conforme exigido pela Constituição Federal. Observa-se, portanto, que a Corte Suprema concedeu o prazo de dez meses para que fosse elaborada e publicada a citada Lei Complementar pelo Poder Legislativo, com a finalidade de evitar perda de arrecadação por parte de estados e do Distrito Federal no ano de 2021.

Poderia este ter sido o fim da discussão sobre o Difal incidente sobre operações interestaduais destinadas a consumidor final. No entanto, mais um novo capítulo estava sendo escrito!

Isso porque o Congresso Nacional, às vésperas do recesso legislativo, aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 32/2021, convertido na Lei Complementar nº 190, de 4 de janeiro de 2022, sendo esta publicada somente no dia 5, regulamentando, enfim, a cobrança do diferencial de alíquotas do ICMS (Difal).

A partir daí surgiu uma nova celeuma: a Constituição Federal determina que os estados não podem cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou (princípio da anterioridade anual), também sendo vedado cobrá-los antes de decorrido 90 dias da data de sua publicação (princípio da anterioridade nonagesimal).

Dessa forma, apesar de regulamentada a cobrança do Difal – ICMS pela Lei Complementar nº190/22, o Estado poderá exigir tal imposto no ano de 2022 ou a referida lei só produzirá efeitos a partir do ano de 2023, em respeito à anterioridade anual?

No entendimento dos estados, a nova lei não institui ou majorou um tributo, uma vez que o Difal é simplesmente uma repartição da carga tributária, já regulamentada pelo Convênio ICMS 93/2015, podendo ser exigido respeitando apenas o princípio da anterioridade nonagesimal, conforme determina no art. 3º da LC 190/2022.

Para os contribuintes – levando em conta que o STF julgou o referido convênio como inconstitucional, entendendo que o Difal de ICMS trata-se de uma nova exigência, de uma nova relação jurídica tributária, sendo necessário, portanto, edição de lei complementar para tanto –, deve ser respeitada a anterioridade nonagesimal (explicitamente prevista no art. 3º da LC 190/2022) e a anterioridade anual.

Sendo assim, mais uma disputa vem se estabelecendo entre contribuintes e fisco perante o Poder Judiciário. Várias pessoas que ingressaram com ações contra a referida discussão obtiveram medidas liminares em 1ª instância, determinando que a exigência do Difal ocorra somente a partir de 1º de janeiro de 2023, em respeito ao princípio da anterioridade anual.

No entanto, temos nos deparado com decisões de diversos tribunais de Justiça derrubando as medidas liminares concedidas a favor dos contribuintes, sendo tais decisões baseadas única e exclusivamente em questões políticas-econômicas, levando em consideração apenas a alegação dos fiscos estaduais acerca da redução de arrecadação nas contas públicas e ignorando por completo o direito do contribuinte e as normas legais e constitucionais que regem a questão.

A análise realizada pelos presidentes dos tribunais por meio do pedido de suspensão de segurança feito pelos estados, tem como base o impacto das liminares aos cofres públicos, sem entrar na discussão sobre a necessidade de atendimento aos princípios da anualidade ou noventena.

Ao caçar as liminares concedidas, não há qualquer discussão acerca da necessidade de observar tais princípios. Ou seja, não há qualquer discussão de mérito fundamentando a derrubada das liminares, mas apenas fundamentação político-econômica sobre a queda de arrecadação ocasionada pela concessão de medidas favoráveis às empresas.

No entanto, os contribuintes não devem desanimar com tamanha arbitrariedade e parcialidade por partes dos tribunais, uma vez que a resposta definitiva virá do STF, que analisará a questão com base nos argumentos jurídicos apresentados pelos contribuintes. O órgão já entendeu que houve sim a criação de uma nova relação jurídica tributaria pelo Difal, sendo, portanto, necessária a edição de lei complementar o regulamentando, e, consequentemente, é imprescindível a observância dos princípios da anterioridade nonagesimal e anual, insculpidos pela nossa Carta Magna.

Lembrando que já foram distribuídas quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) sobre o tema perante o STF. Caso essas ações sejam julgadas a favor dos contribuintes, devem os ministros modular novamente seus efeitos, permitindo a restituição do que foi indevidamente recolhido em 2022 só para os contribuintes que já tenham ingressado com a discussão perante o Poder judiciário, mais uma vez sob a alegação de evitar prejuízo aos cofres públicos.

Importante mencionar que a Advocacia Geral da União, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.070, ajuizada pelo governador do Estado de Alagoas pleiteando a declaração de inconstitucionalidade do § 4º do art. 24 da Lei Complementar nº 87/96 e do art. 3º da Lei Complementar nº 190/2022 , manifestou-se em sentido de que o diferencial de alíquota só pode ser exigido a partir de 1º de janeiro de 2023.

Dessa forma, os contribuintes devem ficar atentos para que não lhes sejam exigidos tributos de forma indevida, majorando ainda mais a carga tributária que pesa sobre suas costas, devendo tomar as medidas jurídicas cabíveis o mais breve possível, visando o resguardo dos seus direitos.