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Defeito em produto não gera indenização automática por danos morais

8 de Março, 2017



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Inicialmente, impende esclarecer que, pela sistemática do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, ou seja, por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos que causem danos ao consumidor, nasce com o intuito legal de proteger a moral e a propriedade do consumidor. Tal responsabilidade, nos termos legais, independe da existência de culpa dos fabricantes, comerciantes e fornecedores de serviços, que respondem pela reparação dos danos causados aos consumidores, sejam eles morais, psíquicos e/ou materiais.

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Esses danos têm natureza objetiva e presumida, incidindo a proteção reparadora também em face da previsão da própria aplicação da inversão do ônus da prova, pois quando o Magistrado reconhece a vulnerabilidade do consumidor em seu ato de inversão da prova, transferindo o citado ônus de comprovação aos fabricantes, comerciantes e fornecedores de serviços, ampara não só um único pedido, mas sim todos os pedidos da ação judicial interposta.

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Nesse contexto, os pedidos de danos morais nas relações de consumo estão se tornando cada vez mais corriqueiros, vez que a sistemática do Código de Defesa do Consumidor está despertando o sentimento nos consumidores de que qualquer defeito de fabricação ou vício no produto gera automaticamente o deferimento de eventual dano moral.

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Contudo, em recentíssima decisão proferida, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou recurso que buscava condenar a Renault ao pagamento de indenização por danos morais em virtude de problema de solda em uma das colunas de um veículo Renault Fluence.

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Para a ministra relatora do caso, Nancy Andrighi, o simples defeito técnico de um produto não é capaz de gerar indenização por danos morais. Durante o julgamento, a ministra destacou a pertinência da discussão sobre o tema, frequente no STJ. Para a magistrada, é preciso estabelecer critérios específicos para a condenação por danos morais.

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No voto, acompanhado pelos demais ministros da turma, Nancy Andrighi explicou que os danos morais correspondem a “lesões a atributos da pessoa”, algo mais profundo e contundente do que meros “dissabores, desconfortos e frustrações de expectativas”.

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A ministra lembrou que, apesar das regras dispostas no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, “não é qualquer fato do produto ou do serviço que enseja a indenização de danos morais”.

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No recurso, o cliente alegou que comprou o veículo justamente por ser um modelo seguro, e que a falha na solda da coluna em que o cinto de segurança é fixado gerava risco à sua vida. Por isso, seria justo ser indenizado, já que trafegava em rodovias todos os dias. Disse ter tentado resolver o problema em diversas ocasiões, sempre sem sucesso.

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Segundo a ministra, não há comprovação de qual seria a consequência negativa para a personalidade do autor. “Dissabores, desgostos e frustrações compõem muitas vezes a vida cotidiana e, nem por isso, são capazes de causar danos morais para aqueles que os suportam”, concluiu.

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Segue o que restou consignado em decisão proferida (RECURSO ESPECIAL Nº 1.634.824 – SE (2016/0236125-0):

“(…)Ao tratar de danos em geral, a doutrina concebe a distinção de três categorias distintas, a saber: “a) são patrimoniais os prejuízos de ordem econômica causados por violações a bens materiais ou imateriais de seu acervo; b) pessoais, os danos relativos ao próprio ente em si, ou sem suas manifestações sociais, como, por exemplo, as lesões ao corpo, ou a parte do corpo (componentes físicos), ou ao psiquismo (componentes intrínsecos da personalidade), como a liberdade, a imagem, a intimidade; c) morais, os relativos a atributos valorativos, ou virtudes, da pessoa como ente social, ou seja, integrada à sociedade, vale dizer, dos elementos que a individualizam como ser, de que se destacam a honra, a reputação e as manifestações do intelecto ”. (BITTAR, Op.cit., p. 35)

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Tem-se, assim, que os danos morais dizem respeito a lesões a atributos da pessoa, enquanto ente ético e social que participa da vida em sociedade, estabelecendo relações intersubjetivas em uma ou mais comunidades, ou, em outras palavras, são atentados à parte afetiva e à parte social da personalidade.

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No entanto, pode-se afirmar que dissabores, desconfortos e frustações de expectativas fazem parte da vida moderna, em sociedades cada vez mais complexas e multifacetadas, com renovadas ansiedades e desejos, e por isso não se pode aceitar que qualquer estímulo que afete negativamente a vida ordinária configure dano moral.

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Mesmo nas relações de consumo, é cediço que – apesar de o art. 6º, VI, CDC prever, como um direito do consumidor, a “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” – não é qualquer fato do produto ou do serviço que enseja a indenização de danos morais(…)”.

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Portanto, o justo direito de indenização por danos extra patrimoniais está recebendo tratamento cada vez mais adequado por todos os operadores do direito, resguardando sobremaneira o direito não só dos consumidores, mas o deferimento do dano moral apenas em casos efetivamente em que se configure a citada lesão.

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Texto de Lauriê Madureira Duarte