O artigo 93 da Lei 8.213/91 determina que “A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I – até 200 empregados…………………………………………………………2%;
II – de 201 a 500…………………………………………………………………..3%;
III – de 501 a 1.000………………………………………………………………4%;
IV – de 1.001 em diante. ……………………………………………………….5%.”
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Fundamentando-se no supramencionado dispositivo legal, o Ministério do Trabalho e Previdência Social autua diariamente milhares de empresas que não conseguem atingir a cota legal de contratação de pessoas com deficiência ou beneficiários reabilitados.
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De fato existe uma norma cogente para que as empresas destinem parte de seus cargos às pessoas portadoras de deficiências ou beneficiários reabilitados. Todavia, deve ser observado que a contratação de tais pessoas não se dá de forma simples e rápida, o que deverá ser considerado quando da autuação da empresa.
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Para a aplicação da norma legal ora debatida, devem ser levados em consideração os aspectos sociais, estruturais, humanos e econômicos que circundam a matéria.
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Na realidade, para o cumprimento do dispositivo legal em debate, são necessários a disponibilidade e o interesse por parte dos portadores de deficiências ou beneficiários reabilitados, bem como a qualificação destes e a divulgação de vagas por parte da empresa.
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Se a empresa demonstra que se esforçou para contratar pessoas portadoras de deficiência ou beneficiários reabilitados, realizando inúmeras divulgações de vagas e firmando diversos convênios com instituições para a referida divulgação, não poderá ser condenada pelo fato de não haver portadores de deficiência e beneficiários reabilitados que estejam interessados em ocupar tais vagas.
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Aplicar a lei seca, desprovida de interpretação da sua inserção no contexto social, como se cura fosse para a recolocação profissional e social de empregados reabilitados ou de pessoas portadoras de deficiência, não é a solução adequada, nem mesmo o que pretende o intuito social que a reveste.
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A interpretação que o Ministério do Trabalho e o Ministério Público vêm atribuindo atualmente ao referido dispositivo, com aparente intuito de resgatar os vários anos em que a previsão legal se fez letra morta, vem, de forma avassaladora, fundamentando inúmeras ações civis públicas e autuações fiscais, as quais muitas vezes levam à aplicação de multas como a que ora se rebate, que pura e simplesmente buscam o cumprimento legal sem considerar as circunstâncias fáticas e o contexto social no qual se inserem as empresas empregadoras.
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Não podem ser desprezadas as medidas e providências que as empresas adotam com o intuito de obedecer à lei. Nesse sentido, decidiu a juíza da 89ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, fundamentando-se em precedentes do Tribunal Superior do Trabalho, ao assim dispor:
“A autora prova (ID. 44cab1a a ID. 7f4bb19) que adotou medidas para cumprir a cota legal e a função social na inserção dos trabalhadores portadores de deficiência.
São notórias as dificuldades existentes para o atendimento às cotas previstas no art. 93 da lei 8.213/1991. Tanto assim, que o Ministério do Trabalho e Emprego editou a Instrução Normativa 23 em 2001 autorizando a instauração de mesas de entendimento, durante as quais não haverá fiscalização, salvo para orientação e coleta de dados, com a fixação de prazo para que as irregularidades sejam sanadas.
E Instrução Normativa 20 de 26.01.2001 também prevê um Termo de Compromisso com agenda de preenchimento gradativo das vagas reservadas a portadores de deficiência ou beneficiários reabilitados.
Não há prova de que o Ministério do Trabalho e Emprego tenha considerado os procedimentos previstos nessas normas antes da autuação.
Ademais, verifica-se dos atestados e fichas de empregados apresentados com a petição inicial (v.g., ids: 3290827, 3290789, 3290749, 3290718, 3290699, 3290545, 3290370, 3290257 e 3290018, 3289752) que a empresa tem despendido esforços para admissão de profissionais que atendam à exigência legal. A empresa está buscando preencher seus quadros com observância das cotas obrigatórias previstas em lei. Contratou vário empregados para os postos referidos como indicam os documentos trazidos.
(…)
Ante o exposto, tenho que a autora foi diligente no cumprimento do artigo 93 da Lei 8.213/91, não obtendo sucesso na contratação. Portanto, declaro nulidade do auto de infração nº 20.841.306-5, bem como a respectiva multa, porquanto nulo o fato gerador. Procede, ainda, a repetição de indébito deste auto de infração nos termos formulados na inicial. (Processo 1001966-67.2016.5.02.0089 – 89ª Vara do Tribunal regional do Trabalho de São Paulo – Juíza Daniela Mori).
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Assim, a norma em questão não poderá ser aplicada de forma objetiva e irrestrita, pelo que deverá ser levada em consideração a dificuldade que as empresas têm de contratar empregados portadores de deficiência e beneficiários reabilitados, bem como os esforços dispensados para que se opere a referida contratação.
Texto de Flávia Soares de Castro Veado