A Covid-19, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), é uma doença infecciosa causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) e tem como principais sintomas febre, cansaço e tosse seca.
Alguns pacientes podem apresentar dores, congestão nasal, dor de cabeça, conjuntivite, dor de garganta, diarreia, perda de paladar ou olfato, erupção cutânea na pele ou descoloração dos dedos das mãos ou dos pés, dentre outros sintomas, os quais geralmente são leves e começam gradualmente, sendo que algumas pessoas infectadas podem apresentar sintomas muito leves.
A maioria das pessoas (cerca de 80%) se recupera da doença sem precisar de tratamento hospitalar. Uma em cada seis pessoas infectadas por Covid-19, porém, fica gravemente doente e desenvolve dificuldade de respiração. Já as pessoas idosas e as que têm outras condições de saúde como pressão alta, problemas cardíacos e do pulmão, diabetes ou câncer, têm maior risco de ficarem gravemente doentes.
O Ministério Público do Trabalho emitiu, no começo do mês de dezembro de 2020, Nota Técnica GT Covid-19 20/20, elaborada pelo Grupo de Trabalho do Ministério Público do Trabalho, que passou a caracterizar a Covid-19 como doença ocupacional, recomendando aos médicos solicitarem às empresas a emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para funcionários que contraírem o vírus ou para casos considerados suspeitos. Sua adoção, contudo, não é obrigatória.
A nota técnica supra mencionada afirma que a Covid-19 pode ser considerada doença do trabalho quando a contaminação do trabalhador pelo vírus ocorrer em decorrência das condições especiais de trabalho, nos termos do §2º, do art. 20, da Lei nº 8.213/91.
Segundo a Nota Técnica GT Covid-19 20/20, “a Covid-19 é um risco biológico existente no local de trabalho, e, a despeito de ser pandêmica, não exclui a responsabilidade do empregador de identificar os possíveis transmissores da doença no local de trabalho e as medidas adequadas de busca ativa, rastreio e isolamento de casos, com o imediato afastamento dos contatantes, a serem previstas no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, elaborado sob responsabilidade técnica do médico do trabalho, nos termos da alínea “d” do item 4.12 da NR 04).”
Ganha destaque, portanto, o papel dos empregadores quanto às prevenções de possíveis contaminações, uma vez que são eles que dispõem das ferramentas necessárias para evitar uma maior propagação do vírus.
Por fim, a norma técnica traz oito medidas com o objetivo de prevenir casos de Covid-19, quais sejam:
Nesse sentido, recentemente decidiu o TRT da segunda Região:
“(…) Por considerar que a empresa não tomou todas as medidas para prevenir a contaminação pelo coronavírus no ambiente de trabalho e que as medidas adotadas não foram suficientes para a contenção necessária, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região entendeu que a Covid-19 é doença ocupacional.
Decisão da 9ª Turma do TRT-2 se aplica a unidade dos Correios em Poá (SP).
A decisão da 9ª Turma do tribunal trabalhista negou, de maneira unânime, um recurso interposto pelos Correios contra a decisão de primeiro grau. A ação foi originalmente proposta pelo Sindicato dos Trabalhadores dos Correios (Sindect). O juízo de piso condenou a empresa a diversas obrigações relacionadas a medidas sanitárias de contenção da Covid-19 na unidade de Poá (SP).
Ao negar provimento ao recurso, os desembargadores do TRT-2 ratificaram a decisão de obrigar os Correios a expedir Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) relativamente aos empregados que contraíram Covid-19.
O colegiado mencionou que, segundo entendimento do STF, o artigo 29 da Medida Provisória 927/20 é inconstitucional. O dispositivo previa que os casos de contaminação pelo coronavírus não seriam considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.
A empresa também foi condenada a adotar uma série de protocolos sanitários. Por exemplo, aplicar um questionário diário aos trabalhadores, como forma de fazer triagem dos que podem estar contaminados; considerar como suspeito de portar o vírus quem registrar temperatura corporal acima de 37,5º; afastar do trabalho presencial os empregados considerados suspeitos, com manutenção da remuneração; afastar do trabalho presencial aqueles que tiveram contato com trabalhadores que efetivamente se contaminaram; e liberar do trabalho presencial todos os trabalhadores com sintomas de Covid-19. Os Correios também devem proceder a uma limpeza diária e intensiva das instalações. (…)” – processo nº 1000708-47.2020.5.02.0391.
Segue, a título de ilustração, recente decisão do TRT3 acerca do tema:
“Justiça do Trabalho reconhece morte por Covid-19 como acidente de trabalho – indenização será de R$ 200 mil – publicado em 19/04/2021 00:02, modificado 19/04/2021.
Para o juiz, houve responsabilidade objetiva do empregador, que assumiu o risco de o motorista trabalhar durante a pandemia do coronavírus e não comprovou a adoção de medidas de segurança.
A Justiça do Trabalho mineira reconheceu como acidente de trabalho a morte por Covid-19 do motorista de uma transportadora. A empregadora foi condenada a pagar indenização por danos morais, no valor total de R$ 200 mil, que será dividido igualmente entre a filha e a viúva, e, ainda, indenização por danos materiais em forma de pensão. A decisão é do juiz Luciano José de Oliveira, que analisou o caso na Vara do Trabalho de Três Corações.
A família, que requereu judicialmente a reparação compensatória, alegou que o trabalhador foi contaminado pelo coronavírus no exercício de suas funções, foi internado e veio a óbito após complicações da doença. O motorista começou a sentir os primeiros sintomas em 15 de maio de 2020, após realizar uma viagem de 10 dias da cidade de Extrema, Minas Gerais, para Maceió, Alagoas, e, na sequência, para Recife, Pernambuco.
Em sua defesa, a empresa alegou que o caso não se enquadra na espécie de acidente de trabalho. Informou que sempre cumpriu as normas atinentes à segurança de seus trabalhadores, após a declaração da situação de pandemia. Disse ainda que sempre forneceu os EPIs necessários, orientando os empregados quanto aos riscos de contaminação e às medidas profiláticas que deveriam ser adotadas.
Mas, ao avaliar o caso, o juiz deu razão à família do motorista. Na sentença, o magistrado chamou a atenção para recente decisão do STF, pela qual o plenário referendou medida cautelar proferida em ADI nº 6342, que suspendeu a eficácia do artigo 29 da MP nº 927/2020, que dizia que os “casos de contaminação pelo coronavírus não seriam considerados ocupacionais”. Exceto no caso de “comprovação do nexo causal”, circunstância que permite o entendimento de que é impossível ao trabalhador e, portanto, inexigível a prova do nexo causal entre a contaminação e o trabalho, havendo margem para aplicação da tese firmada sob o Tema nº 932, com repercussão geral reconhecida.
Segundo o magistrado, a adoção da teoria da responsabilização objetiva, no caso, é inteiramente pertinente, pois advém do dever de assumir o risco por eventuais infortúnios sofridos pelo empregado ao submetê-lo ao trabalho durante a pandemia do coronavírus. Na visão do juiz, o motorista ficou suscetível à contaminação nas instalações sanitárias, muitas vezes precárias, existentes nos pontos de parada, nos pátios de carregamento dos colaboradores e clientes e, ainda, na sede ou filiais da empresa.
Prova testemunhal revelou, ainda, que o caminhão poderia ser conduzido por terceiros, que assumiam, como manobristas, a direção nos pátios de carga e descarga. Situação que, segundo o juiz, aumenta o grau de exposição, sobretudo porque não consta nos autos demonstração de que as medidas profiláticas e de sanitização da cabine eram levadas a efeito todas as vezes que a alternância acontecia.
Além disso, o magistrado reforçou que não foi apontada a quantidade fornecida do álcool em gel e de máscara, “não sendo possível confirmar se era suficiente para uso diário e regular durante os trajetos percorridos”, frisou o julgador. Ele lembrou, ainda, que não foram apresentados também comprovantes de participação da vítima e seus colegas em cursos lecionados periodicamente sobre as medidas de prevenção.
Para o juiz, é irrefutável que o motorista falecido, em razão da função e da época em que desenvolveu as atividades, estava exposto a perigo maior do que aquele comum aos demais empregados, “não sendo proporcional, nesta mesma medida, promover tratamento igual ao que conferido a estes quando da imputação da responsabilidade civil”.
Segundo o julgador, tais peculiaridades, seguindo o que prescreve o artigo 8º, caput e parágrafo 1º da CLT, atraem a aplicação do disposto no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil brasileiro, “ficando assim prejudicada a alegação da defesa de que não teria existido culpa, e que isso seria suficiente para obstar sua responsabilização”.
Na visão do juiz, não se nega que a culpa exclusiva da vítima seria fator de causa excludente do nexo de causalidade. “Entretanto, no caso examinado, não há elementos que possam incutir na conclusão de que ela teria se verificado da maneira alegada pela empresa, por inobservância contundente de regras e orientações sanitárias, valendo registrar que o ônus na comprovação competia à reclamada e deste encargo não se desvencilhou”, frisou.
Assim, diante de todo o quadro, o juiz entendeu que ficaram evidenciados os requisitos para imputação à empresa do dever de indenizar. Para o julgador, a responsabilidade civil da empresa restaria prejudicada em absoluto, pelo afastamento do nexo causal, se, e tão somente se, houvesse comprovação total de que adotou postura de proatividade e zelo em relação aos seus empregados, aderindo ao conjunto de medidas capazes de, senão neutralizar, ao menos, minimizar o risco imposto aos motoristas e demais colaboradores. “Porém, não foi essa a concepção que defluiu do conjunto probatório vertido”, ressaltou.
Por isso, visando a assegurar a coerência entre a aplicação e a finalidade do direito, garantindo a sua utilização justa, por analogia, o magistrado aplicou ao caso os comandos dos artigos 501 e 502 da CLT. “Imputada a responsabilidade civil sobre a empregadora, reputo razoável e proporcional a redução da obrigação de reparar os danos à razão da metade”.
No caso dos autos, o juiz entendeu que o dano moral é evidente e presumido, importando a estipulação de um critério para fixação da compensação pela dor e pelo sofrimento experimentado pelos familiares. Para o julgador, as figuras paterna e materna possuem papel decisivo no desenvolvimento da criança, do adolescente e dos jovens, seja nos momentos mais simples, para atos da vida cotidiana, seja nos momentos mais complexos, como na atuação para educação e formação do caráter. “Ademais, a perda do ente querido priva os membros da família da convivência e do desfrutar do contato e da companhia”.
Diante disso, o juiz entendeu ser proporcional, razoável e equitativo fixar a indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil para cada uma das autoras, o que totaliza R$ 200 mil. Em sua decisão, o magistrado levou em consideração o grau de risco a que o empregado se expunha recorrentemente, o bem jurídico afetado e as vicissitudes do caso como, por exemplo, o quão trágico foi o falecimento, a inviabilidade de se poder ao menos fazer um velório, além da natureza jurídica do empregador e de seu porte econômico.
Quanto ao dano material, o juiz determinou o pagamento da indenização em forma de pensionamento para a filha e a viúva. Na visão do julgador, as provas dos autos indicaram que o motorista era o único provedor do lar e, por consequência, a perda sumária e precoce proporcionou efeitos deletérios nefastos à família.
Especificamente em relação à filha, o juiz determinou que a obrigação de indenizar se conservará até que ela complete idade suficiente para garantir a própria subsistência, ou seja, até os 24 anos de idade, conforme sugerido pela jurisprudência predominante. No tocante à viúva, o dever de pensionamento se estenderá até que o motorista completasse 76,7 anos de idade, de acordo com a última expectativa média de vida divulgada pelo IBGE. Houve recurso, que aguarda julgamento no TRT mineiro. Processo: PJe: 0010626-21.2020.5.03.0147
Texto da advogada trabalhista Lilian Duarte Bicalho