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Concentração de atos na matrícula do imóvel e as certidões de feitos ajuizados

17 de Novembro, 2016



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Na tentativa de solucionar as questões envolvendo a aquisição de bens imóveis no Brasil, especialmente os cuidados que devem ser tomados pelo comprador visando à proteção de riscos de caracterização de vícios do negócio jurídico, assim entendidos a fraude à execução e contra credores, houve a publicação da Lei Federal nº 13.097/2015, resultante da conversão em lei da Medida Provisória nº 656, publicada no dia 8 de outubro de 2014, que instituiu a concentração dos atos na matrícula do imóvel, objetivando dar maior segurança aos negócios imobiliários.

Pelo seu artigo 54, em resumo, não poderão ser opostas ao adquirente de boa-fé situações jurídicas não constantes da matrícula do imóvel, inclusive para fins de evicção – ressalvados, contudo, os casos de alienação que são ineficazes em relação à massa falida (arts. 129 e 130 da Lei no 11.101/05) e nas hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.

Os questionamentos importantes neste momento são: o artigo 54 da lei em comento autoriza a dispensa pelo adquirente das certidões de feitos ajuizados em face do alienante? É possível adquirir tranquilamente um imóvel se não houver penhora, arresto, sequestro ou qualquer pendência registrada ou averbada na matrícula? Não parece que a resposta a esta pergunta deva ser, por hora, afirmativa.

Por meio do Provimento 304/CGJ/2015, disponibilizado na edição do DJe de 28/07/2015 e republicado no DJe de 29/07/2015, foram alterados os requisitos documentais inerentes à regularidade de escrituras públicas em que haja alienação ou oneração de imóveis. A apresentação das certidões de feitos ajuizados ou a sua dispensa (mediante ciência das partes, de forma destacada na escritura, sobre os riscos inerentes a tal conduta) – requisito que constava na versão original do Código de Normas do Extrajudicial de Minas Gerais – foi afastada em decorrência da alteração da redação da Lei nº 7.433/85, que não mais menciona a obrigatoriedade da apresentação das referidas certidões.

No entanto, para dar maior segurança jurídica ao ato, considerando que ainda está em curso o prazo para averbação ou registro na matrícula dos atos jurídicos anteriores à Lei nº 13.097/2015, deve o Tabelião orientar as partes sobre tal situação, informando-lhes sobre a possibilidade de obtenção das referidas certidões, que, se obtidas, devem ser mencionadas na escritura e arquivadas no tabelionato para consulta posterior, se necessário.

E mais: antes da entrada em vigor do referido artigo de lei, o entendimento majoritário, privilegiando o princípio da boa-fé objetiva – que impõe às partes o dever de diligência e mútua cooperação –, orientava pela obtenção e análises prévias das certidões de feitos ajuizados em face do alienante, quer porque até então a Lei n° 7.433/85 assim o exigia, quer porque para muitos do próprio judiciário a edição da Súmula 375 pelo STJ – que dispõe que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” – não chancelou tal dispensa, uma vez que o adquirente, ao deixar de emitir tais certidões, estaria negligenciado as condições de saber dos feitos distribuídos em face do vendedor e, portanto, sua boa-fé poderia ser questionada.

Assim, o mercado imobiliário, frente às inúmeras discussões envolvendo a Súmula 375, não deixou de recomendar a emissão das certidões forenses em face dos vendedores e assim o fez visando mitigar os riscos de litígio envolvendo o bem transacionado. Não obstante, mesmo após a edição de tal Súmula, o STJ continuou a enfrentar a matéria, acerca de quais seriam os requisitos para caracterização de fraude à execução, o que culminou com o julgamento do RESP 956.943/PR, afetado como repetitivo. Pelo julgamento deste recurso, o STJ reafirmou a aplicabilidade da referida Súmula, traçando as premissas para caracterização de fraude à execução na alienação de bens imóveis, reforçando dentre outros requisitos que, inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência, sob pena de tornar-se letra morta o disposto no art. 659, §4º, do CPC:

“Art. 659. A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios.

  • 4º. A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4o), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial.”

De um lado nota-se que o STJ, assim como a Lei n° 13.097/15, privilegiou o princípio da concentração dos atos na matrícula quando entendeu demasiado o ônus de impor ao adquirente a obtenção das certidões forenses em nome do vendedor em diversas comarcas, apenando com a inversão do ônus da prova o credor descuidado, ou seja, aquele que deixou de registrar junto à matrícula a existência do gravame.

Arrematando esta ideia, em voto proferido nos autos do Resp 956.943/PR, o Ministro João Otávio de Noronha, citando o Ministro Cesar Asfor Rocha no Resp n° 113.871⁄DF, afirmou que “…não havendo, no cartório imobiliário, nenhum registro da existência da ação, não se pode imputar ao adquirente nenhuma obrigação de ter ciência desse fato, sendo até impossível disso com segurança ele saber (salvo se obtivesse certidões negativas de todos os cartórios de distribuição por esse Brasil afora), por isso mesmo que não lhe cabe provar a sua ignorância quanto a tanto, pois a sua boa-fé, que é presumida, há de ser preservada, até prova em contrário”.

Por outro lado, é preciso lembrar que a Lei n° 13.097/15 excetua situações que não gozariam da proteção dada pelo seu artigo 54, dentre elas (i) a própria ausência de boa-fé do adquirente (situação esta também abarcada pela Súmula 375), bem como (ii) as situações de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel, assim entendidos os institutos da usucapião e desapropriação, situações estas que, por cautela, demandariam a emissão da certidão dos feitos cíveis em face do vendedor.

Neste sentido, requerendo o adquirente a certidão de feitos cíveis em nome do vendedor (de modo a identificar eventuais ações de usucapião e desapropriação que envolvam o bem), poderia ele alegar desconhecimento das demais demandas distribuídas em face do pesquisado, constantes desta certidão? Parece-nos que não. Não podendo neste contexto o adquirente alegar desconhecimento de demais demandas cíveis distribuídas em face do alienante, estaria ele ainda assim protegido pela blindagem do artigo 54? Ainda é incerto como os Tribunais irradiarão a decisão proferida nos autos do RESP 956.943/PR. Com isso, é razoável sustentar que, a julgar pelo histórico de resistência à aplicação da Súmula 375, a lei em comento poderá não ter boa acolhida.

Deve-se lembrar que, para os atos jurídicos posteriores à referida lei (após 19 de janeiro de 2015), a obrigação de registrar ou averbar o ato na matrícula já entrou em vigor desde 20 de fevereiro de 2015.

Não há dúvida de que a Lei nº 13.097/2015 inaugurou um novo marco na segurança jurídica imobiliária, mas é preciso cautela, considerando que o prazo para que sejam feitos na matrícula imobiliária registros ou averbações relativos a atos jurídicos anteriores a 19 de janeiro de 2015 (data da Lei nº 13.097/2015) expira em 20 de fevereiro de 2017.

Como se vê, a Lei n° 13.097/15 não encerrou a necessidade de obtenção das certidões forenses em face do vendedor. Frisa-se que as auditorias jurídicas realizadas para aquisição de bem imóvel não se restringem apenas à verificação dos vícios sociais, mas se pode afirmar que são eles a causa de maior insegurança jurídica em negócios desta natureza.

Neste sentido, até que se consiga obter um panorama claro de como os Tribunais irão irradiar os efeitos do julgamento do RESP 956.943/PR e da Lei n° 13.097/15, não é recomendável uma mudança de padrão no estudo da documentação imobiliária, que hoje orienta pela obtenção das certidões forenses em nome do vendedor na comarca de domicílio do alienante e na de situação do imóvel.

 

Texto de Gisele Sousa dos Santos