Promulgada em 2018, a Lei Geral de Proteção de Dados foi idealizada como um conjunto normativo capaz de regular e instruir a coleta e uso de dados pessoais de todo e qualquer cidadão brasileiro ou pessoa jurídica de direito público e privado, sendo assim um instrumento eficaz para a garantia dos direitos fundamentais de liberdade, intimidade e privacidade, além do livre desenvolvimento da pessoa natural.
Entretanto, por tratar-se de legislação relativamente nova – e ainda alheia a sanções próprias de perfil orientativo e conscientizador –, muitas empresas e cidadãos brasileiros desconhecem seus limites e garantias.
Até o momento da publicação do presente texto, o órgão responsável pelo Regulamento de Dosimetria e Aplicação de Sansões Administrativas, denominado ANPD – Autoridade Nacional de Proteção de Dados, ainda busca promover com maior eficácia a aplicação e cumprimento da lei, de modo a conferir maior segurança jurídica ao texto e construção da consciência sócio-educativa.
Para tanto, por mais que já estejam previstas nos artigos 52 e 53 da LGPD (Lei nº 13.853/19), as sanções administrativas a serem aplicadas pelo órgão vêm passando por constantes consultas e estudos visando à aproximação do cidadão brasileiro com o método de concepção e aplicação da lei. Assim, a ANPD realizou até o dia 15/09/2022 audiência pública para coletar informações, opiniões e críticas da sociedade brasileira, a fim de desenvolver um procedimento eficaz e garantir o pleno exercício das regras impostas pela Lei Geral de Proteção de Dados. Entre os tópicos debatidos via consulta pública estavam: a) explicações sobre forma de cálculo montante de autuações; b) informações sobre como mensurar o grau e gravidade do dano derivado da violação de artigos expostos da lei; c) circunstâncias atenuantes de multa administrativa; entre outros.
Além de aspectos ainda discutidos sobre a dosimetria e aplicação de sansões administrativas derivadas da LGPD, nota-se que muitas das pautas a serem trazidas pela jovem lei ainda carecem de lastro jurisprudencial. Existem muitas questões específicas derivadas do uso da Internet e propagação de dados, que, por consequência da mudança constante inerente ao mundo da informática, carecem de análise técnico-jurídica do Sistema Judiciário, e, hoje, podem ser consideradas lacunas da Lei 13.853/19.
Nesse sentido, por diversas vezes recebemos dúvidas de clientes sobre a aplicação da LGPD perante o Direito do Consumidor, sendo que a mais recente dessas envolve o envio de mercadorias via e-commerce:
Bom, de início, importante abordar que toda e qualquer mercadoria comercializada via e-commerce deve possuir em sua embalagem externa o denominado DANFE – Documento Auxiliar de Nota Fiscal Eletrônica, versão resumida da Nota Fiscal Eletrônica tradicional. A DANFE poderá ser impressa e colada via adesivo/etiqueta ao pacote, em que deverão constar expressos os seguintes dados da transação:
Em suma, todos os mencionados dados serão acessados pelo transportador por via da leitura do código da DANFE, bem como estarão expostos no pacote para facilitar a identificação deste. Contudo, é importante mencionar que a DANFE não substitui a NF-e ainda deverá ser enviada via e-mail ao cliente.
Isto exposto, seguimos à Lei Geral de Proteção de Dados, que em seu art. 7º versa:
“Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses: (…)
II – para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador; (…)”
“ (…) Cláusula terceira – Além do cumprimento das demais obrigações tributárias previstas na legislação do ICMS para os transportadores de cargas, as unidades federadas deverão exigir que a ECT faça o transporte de mercadorias e bens acompanhados de:
I – nota fiscal, modelo 1 ou 1-A;
II – manifesto de cargas;
III – conhecimento de transporte de cargas.
§ 1º No caso de transporte de bens entre não contribuintes, em substituição à nota que trata o inciso I do caput, o transporte poderá ser feito acompanhado por declaração de conteúdo, que deverá conter no mínimo:
I – a denominação ‘Declaração de Conteúdo’;
II – a identificação do remetente e do destinatário, contendo nome, CPF e endereço;
III – a discriminação do conteúdo, especificando a quantidade, peso e valor;
IV – a declaração do remetente, sob as penas da lei, de que o conteúdo da encomenda não constitui objeto de mercancia.(…) ”
Por fim, o Ajuste SINIEF 07/05, do CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária, institui a seguinte regra sobre a necessidade da NF-e, ou DANFE, nas mercadorias provenientes de e-commerce:
“Cláusula nona – Fica instituído o Documento Auxiliar da NF-e – DANFE, conforme leiaute estabelecido no MOC, para acompanhar o trânsito das mercadorias acobertado por NF-e ou para facilitar a consulta prevista na cláusula décima quinta
(…)
§ 15. Nas operações de venda a varejo para consumidor final, por meio eletrônico, venda por telemarketing ou processos semelhantes, o DANFE poderá ser impresso em qualquer tipo de papel, exceto papel jornal, em tamanho inferior ao A4 (210 x 297 mm), caso em que será denominado “DANFE Simplificado – Etiqueta”, devendo ser observadas as definições constantes no MOC.”
Desse modo, resta evidente que os institutos responsáveis pela regulação e fiscalização tributária exigem a apresentação do DANFE nos pacotes de mercadorias provenientes do e-commerce, fato que reitera a impossibilidade de abstenção de alguns dos dados considerados pessoais do cliente, como nome, CPF e endereço.
Portanto, por mais que a LGPD, normalmente, vede a exposição dos mencionados dados, a normatização tributária impossibilita a ocultação de tais informações, sendo imprescindível que o DANFE esteja anexado ao pacote.
Reconhecidamente, o impasse mencionado é capaz de gerar dúvida razoável e questionamentos do consumidor, contudo, o entendimento vigente, hoje, levando em consideração todo o exposto, além do art. 7º da Lei 13.709/2018, é que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, ou o PROCON, não podem aplicar quaisquer sanções pela disponibilização dos dados pessoais por via de NF-e ou DANFE no pacote, se seguidos todos os requisitos de composição desta.
Dessa forma, a resposta da mais recente dúvida trazida à tona pelo cliente, de maneira curta e simples, é: não há violação à LGPD se seguidas às exigências tributárias. Aguardemos, pois a LGPD ainda trará diversas questões a serem debatidas no direito brasileiro. Lacunas normativas existem e apenas anos de extenso debate jurídico poderão preenchê-las. Seguimos questionando e debatendo a jovem Lei 13.709/18, seja no dia a dia do dever jurídico ou na corriqueira vida, enquanto cidadãos brasileiros.
Lucas Trigueiro