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A desconsideração da personalidade jurídica à luz do Novo Código de Processo Civil

12 de Janeiro, 2017



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Encarado por muitos como a única forma de buscar o adimplemento de obrigações através de processos judiciais em face de empresas, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica sempre foi motivo de inúmeras decisões conflitantes antes da entrada em vigor da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2.015 (Novo Código de Processo Civil).

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Isso porque a sua aplicação tinha como fundamento legal o artigo 50 do Código Civil, sendo necessária a observância dos seguintes requisitos: a) o requisito objetivo, que consiste na insuficiência patrimonial do devedor; e b) o requisito subjetivo, consistente no desvio de finalidade ou confusão patrimonial através da fraude ou do abuso de direito.

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Também prevê a aplicação do instituto em comento o Código de Defesa do Consumidor e a Lei nº 9.605/88 (que trata dos crimes ambientais), sendo que nos temas referentes a Direito Ambiental e Direito do Consumidor os prejuízos eventualmente causados pela pessoa jurídica ao consumidor ou ao meio ambiente serão suportados pelos sócios, não se exigindo qualquer comprovação quanto à existência de dolo ou culpa nesses casos.

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Fato é que a Desconsideração da Personalidade Jurídica “desenvolveu-se como o fim precípuo de prevenir o desvio de finalidade de um ente empresarial, seja através da fraude à lei, aos credores ou ao contrato social, isto é, visando, única e exclusivamente, responsabilizar a má-fé dos sócios administradores”[1].

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Tal instituto tem o condão de possibilitar ao juiz ignorar a existência da pessoa jurídica no caso concreto para alcançar o patrimônio dos sócios.

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Constitui, entretanto, instituto excepcional, uma vez que o ordinário é a preservação da personalidade jurídica e da responsabilidade civil da sociedade que firmou determinado negócio jurídico, dependendo do preenchimento dos requisitos legais.

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Ocorre que, antes da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, existia uma discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da necessidade de propositura de ação autônoma para que as responsabilidades da pessoa jurídica fossem atribuídas aos sócios.

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Assim, o credor deveria, além da demanda em curso proposta contra a empresa que não demonstrou capacidade para pagar a dívida, propor ação judicial própria, de caráter cognitivo, em face dos sócios ou controladores da sociedade devedora, para buscar atingir o patrimônio dos seus sócios e ver satisfeita a dívida.

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Com o advento do Novo Código de Processo Civil, tal discussão restou superada, na medida em que o legislador, dentro do Título III (Da Intervenção de Terceiros), criou um capítulo específico para tratar do “Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica”, pacificando a desnecessidade da propositura de ação judicial própria para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

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Tal previsão se encontra entre os artigos 133 e 137 do Novo CPC, demonstrando expressamente terem legitimidade para instauração do incidente a parte (no caso, o credor) ou o Ministério Público, por óbvio em ações que lhe caiba a intervenção. Assim, é vedado ao juiz, de ofício, determinar a inclusão de sócio ou do administrador no pólo passivo da demanda.

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Novidade também trazida expressamente no Novo Código de Processo Civil sobre o tema é a possibilidade de desconsideração inversa da personalidade jurídica, que consiste no “afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador”[2].

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Apesar de não contar com previsão legal antes da entrada em vigor do Novo CPC, a desconsideração inversa já era aceita de forma majoritária pela jurisprudência no âmbito do direito obrigacional e no direito de família.

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Assim, se o sócio esvazia seu patrimônio particular, transferindo seus bens e direitos para a pessoa jurídica sobre a qual detém controle, é admissível que o juiz, após a instauração do incidente e comprovação do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial, desconsidere a autonomia patrimonial da empresa para responsabilizá-la pelas obrigações cabíveis ao sócio.

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No tocante ao cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, admite o art. 134 do Novo CPC ser possível pleitear a sua instauração em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial, ou seja, não é necessário se aguardar a sentença ou acórdão para pleitear a medida.

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Por força do art. 1.062 do Novo CPC, o incidente também é cabível no âmbito dos processos que tramitam perante os Juizados Especiais Cíveis.

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O Novo CPC condiciona o deferimento da medida à prévia citação do sócio ou da pessoa jurídica (art. 134, § 2º, parte final, e art. 135), o que faz para se evitar a constrição judicial dos bens do sócio (ou da pessoa jurídica, na hipótese de desconsideração inversa) sem qualquer possibilidade de defesa.

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Contra a decisão que vier a acolher ou não o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, o Novo CPC prevê a interposição de agravo de instrumento (art. 136, parte final; art. 1.015, IV) ou, se a decisão for proferida em segunda instância pelo relator, o recurso cabível será o agravo interno (art. 136, parágrafo único; art. 1.021).

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Assim, o advento do Novo Código de Processo Civil normatizou o procedimento para a utilização de instituto por demais importante para credores que buscam seus direitos em face de devedores contumazes que desafiam o Poder Judiciário e desfazem dos seus bens de forma proposital.

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Cabe aos operadores do direito, principalmente a nós, advogados, buscarmos a aplicação do procedimento da forma mais judiciosa possível, visando resguardar os interesses dos nossos clientes.

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[1] MARTINS, Gilberto Baptista. Os fundamentos da teoria da desconsideração da personalidade jurídica e o novo Código Civil. In Boletim Adcoas 4/84.

[2] STJ, REsp nº. 948117/ MS, Rel. Min Nancy Andrighi.

Texto de André Menezes Gontijo do Couto