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A Contagem de prazos nos juizados especiais deve obedecer regra de dias úteis do novo CPC?

26 de Abril, 2017



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O novo tem que ser visto com os olhos do novo, aconselharam Lenio Luiz Streck e Dierle Nunes já na véspera da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil ([1]).

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A comunidade jurídica processual civil vê-se, desde 2009, quando se concebeu o anteprojeto de CPC, por iniciativa do Senado Federal, às voltas com acaloradas e riquíssimas discussões acerca da capacidade ou não de uma nova codificação processual civil produzir amplos e consistentes resultados no sentido de reduzir-se o tempo de tramitação das ações judiciais.

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Este, não nos iludamos, é um dos mais visíveis desejos da sociedade civil quando se escuta falar da entrada em vigor de um novo CPC. O jurisdicionado, que em geral é leigo, almeja, fundamentalmente, a redução do tempo exigido para que se ponha termo à questão debatida em juízo.

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Pessoalmente, cremos que o novo CPC representa, positivamente, um potente elemento de atualização da legislação processual, fundamentalmente porque permitiu, durante absolutamente democrático processo legislativo, colher dos mais variados setores da comunidade jurídica sugestões e proposições que permitiram assumirmos um resultado pungentemente satisfatório: temos, enfim, um CPC plural, porque rico em influências de diversos matizes e naturezas, provenientes de órgãos da magistratura, da advocacia privada, da advocacia pública, do Ministério Público e de setores acadêmicos relevantes, com distintas origens geográficas e de diferentes orientações doutrinárias.

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Poucos atuantes no direito sabem das regras estabelecidas pelo FONAJE (Fórum Nacional dos Juizados Especiais). Tais normas são aplicadas exclusivamente à Lei 9.099/95. Consiste nos encontros nacionais de coordenadores dos juizados especiais de todo o país, por duas vezes ao ano, desde a promulgação da Lei 9.099/95. De acordo com o seu regimento interno, são membros do FONAJE todos os magistrados que atuarem na área dos Juizados Especiais.

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Trata-se de um fórum de debates, visando interpretar noções para os operadores que atuam nos juizados especiais, bem como fortalecer os juizados especiais cíveis e criminais estaduais.

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Nestes encontros são votados enunciados, no intuito de preencher lacunas, interpretar e integrar a Lei 9.099/95, os quais são, muitas vezes, utilizados como subsídios para os operadores do direito no sistema dos juizados especiais.

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O grande problema é que a Lei 9.099/95 (lei dos Juizados Especiais) é uma lei especial. Portanto, o CPC deve ser utilizado de forma subsidiária, ou seja, apenas se a lei dos Juizados Especiais não determinar especificadamente sobre a matéria, utiliza-se o CPC.

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Um bom exemplo de aplicação do CPC é quando se dá vista para parte contrária no caso de oposição de embargos de declaração. Caso verificada a possibilidade do Magistrado de modificar a decisão, em caso de acolhimento do recurso oposto, o embargado tem direito ao contraditório, fato este que apenas começou a ser aplicado nos Juizados Especiais após a regulamentação do CPC/2015.

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Porém, no caso de contagem de prazos, o enunciado 165 do FONAJE é claro: ENUNCIADO 165 – Nos Juizados Especiais Cíveis, todos os prazos serão contados de forma contínua (XXXIX Encontro – Maceió-AL).

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De fato, é razoável ponderar que contar apenas dias úteis para fins de cumprimento de prazos no âmbito da Lei 9.099/95 tornaria o rito moroso, ou ainda mais moroso (pragmaticamente falando). As sentenças em alguns casos são proferidas em audiência de instrução e julgamento, conforme determina tal lei.

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O que prevaleceu a respeito, aliás, foi a ideia de que é por vezes absurdamente desumana, para o jurisdicionado e para seu advogado, a prática de se considerar dias não úteis no cômputo de prazos processuais, pois tal conduta, por não relevar que em dias não úteis não há expediente em repartições públicas ou em muitas particulares (para fins de obtenção de cópias e de elementos de prova, por exemplo), pode representar nefasto cerceamento de acesso à justiça. Ou alguém duvida do que ora se afirma quando se está diante do temível e absurdo início do prazo de cinco dias às quartas-feiras para a prática de determinado ato processual, caso em que, a rigor, de cinco dias totais temos, quando muito, dois ou três úteis integrais, excluindo-se o dia da publicação, o dia da prática do ato e o final de semana?

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E, se o processo for físico e tramitar em comarca interiorana, por vezes em outro Estado, o problema só faz aumentar, exigindo trabalho grandioso e demasiado esforço da parte e de seu advogado.

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O segundo argumento erigido na nota técnica 01/2016 do Fonaje, no sentido de que as disposições do CPC novo apenas se aplicarão ao rito da Lei 9.099/95 nas hipóteses de expressa previsão permissiva a respeito (artigos 1063 a 1066 do novo CPC, em que não se inclui qualquer referência à contagem de prazos em dias úteis, apenas), igualmente nos parece robustamente equivocado.

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Dizer que a Lei 9.099/95 é imune ao cômputo dos prazos em dias úteis apenas (como determina o Novo CPC), porque se trata de lei específica e informada pelos princípios da celeridade e da razoável duração do processo, que não consistiriam em princípios informativos do novo CPC ([2]), perfaz rematado equívoco, notadamente à luz do artigo 4º da nova codificação, cuja clareza é ímpar: “Art. 4º: As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”

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Hoje, induvidosamente, não é de maneira alguma possível afirmar-se que apenas a Lei 9.099/95 seria balizada pelo princípio da razoável duração do processo – e não o seria o novo CPC. Em face da clareza do artigo 4º do CPC novo, cujo teor foi acima reproduzido, é forçoso concluir que ambos, Lei 9.099/95 e novo CPC, têm como bússola os princípios da celeridade e da razoável duração do processo, o que elide qualquer adução de que seriam diplomas legislativos dotados de balizas díspares ou colidentes.

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E há mais a ponderar: a Lei 9.099/95, como consta do teor da própria nota técnica 01/2016 que ora questionamos, não conta com disposições expressas acerca do cômputo de prazos apenas em dias úteis.

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Não contando com disposições expressas acerca dos prazos (a não ser o prazo de dez dias para interposição de recurso inominado e o de cinco dias para oposição de embargos de declaração), e, especialmente, não contando com regras expressas sobre como se contam os prazos, a Lei 9.099/95 forçosamente socorre-se do regime geral do CPC para fins de estabelecimento de critérios de cômputo de prazos!

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E desde 1995 funciona assim: os prazos inerentes ao rito da Lei 9.099/95 são computados obedecendo-se à regra geral de cômputo de prazos do CPC. E, se tal regra geral modificou-se, passando a ser considerados apenas os dias úteis (artigo 219 do Novo CPC), não se afigura admissível, casuisticamente e sob premissas inválidas, aduzir que a regra geral de cômputo de prazos do novo CPC não se aplicará ao rito dos Juizados Especiais Cíveis.

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E, sendo omissa a Lei 9.099/95 a respeito de como se contam os prazos, obviamente deve ser aplicada a regra geral constante do artigo 219 do novo CPC – a saber, contam-se apenas os dias úteis ([3])!

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Pois é… Mas todos sabem que em alguns casos, Juízes que atuam nos Juizados Especiais não estão muito preocupados com a aplicação da lei. Desobedecem a normas, não leem sequer as peças. Julgam o processo de acordo com o depoimento de testemunhas (muitas vezes mentirosas) ouvidas em audiências de instrução. Aliás, considerando que a lei 9.099/95 é específica, bom mesmo é não arriscar e aplicar o FONAJE 165 que determina a contagem de prazos em dias corridos.

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[1] STRECK, Lenio Luiz, e NUNES, Dierle. CPC: conclamamos a que olhemos o novo com os olhos do novo!, disponível em http://www.conjur.com.br/2016-mar-17/senso-incomum-cpc-conclamamos-olhemos-olhos

[2] Neste sentido, confira-se a seguinte passagem da nota técnica n. 01/2016, do FONAJE: “Desde sua entrada em vigor, a Lei 9.099 veio convivendo com o CPC de 1.973 sem que o procedimento nela estatuído sofresse influências da lei processual comum codificada, posto sustentar-se esta em princípios absolutamente inconciliáveis com os aludidos critérios informadores. Estabeleceu-se, assim, a convicção de que as disposições codificadas não se aplicam ao rito dos processos que tramitem em sede de Juizados Especiais Cíveis em sua fase de conhecimento, mas tão só – e no que couber – à fase de execução (cumprimento) de sentença, assim como, subsidiariamente, à execução de título extrajudicial (…)

[3] Colhe-se da nota técnica 01/2016 a seguinte passagem a respeito do assunto: “Consabidamente, não há prazos legais previstos pela Lei 9.099 para a fase de conhecimento, de modo que todos os prazos são judiciais. A única exceção é relativa ao Recurso Inominado, para o qual prevê o prazo de 10 dias.”

Texto de Luiz Gustavo Sobreira