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A APLICAÇÃO DO CDC AOS CONTRATOS DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL ENTRE PESSOAS JURÍDICAS

27 de Outubro, 2018



A nova ordem jurídica inaugurada pela Lei nº 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, emergiu da falta de proteção jurídica dos direitos dos consumidores e de legislação especial, uma vez que antes da Constituição Federal de 1998 imperava a autonomia da vontade e as regras próprias de mercado, que, muitas vezes, não realizavam no plano prático a defesa dos consumidores.

A defesa dos direitos dos consumidores se deu por meio da Constituição Cidadã, então, alçada a princípio constitucional (CF, arts. 1º, III, 3º, I, II 5º, XXXII), em face às necessidades outrora vilipendiadas por circunstâncias diversas, daí por que dizer ser a Lei 8.078/90 o Código de Defesa dos Direitos Constitucionais do Consumidor, que trouxe significativas mudanças nas relações entre consumidores e fornecedores.

A proposta para a verificação da aplicação das normas do CDC aos contratos de compra e venda de imóveis entre pessoas jurídicas perpassa a conceituação de consumidor e, por consequência, a pessoa jurídica consumidora.

O Código de Defesa dos Direitos Constitucionais do Consumidor tendeu à objetividade na definição do que seria consumidor, quando expressamente o definiu como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. (art. 2º)

Assim, a doutrina define consumidor quanto a diversos aspectos, ou seja, considerando-se as doutrinas sociológica, econômica, teleológica, psicológica ou literária. Todavia, a maioria entende que a definição econômica é a que mais se aproxima da conceituação jurídica. Para José Geraldo Brito Filomeno, “[…] tal conceituação é a que se aproxima mais de perto da adotada pelo Código, eis que acentua tão-somente o aspecto econômico-jurídico do termo” (2004, p. 28).

Consumidor, portanto, é aquele que retira da cadeia produtiva bens ou serviços para utilização como destinatário final dos mesmos, seja pessoa física ou jurídica.

Entretanto, é correto dizer que nem toda relação de consumo entre pessoas jurídicas pode ser amparada pelo CDC, em face de várias circunstâncias, mas em especial da vulnerabilidade do consumidor.

Assim, a conceituação do consumidor pessoa jurídica não foi aceita tão facilmente pelos doutrinadores. Desse conflito na interpretação da definição, segundo Cláudia Lima Marques (2006, pp. 84-85), surgem três grandes tendências para a interpretação do art. 2º do CDC: a dos finalistas, a dos maximalistas e a dos finalistas aprofundada.

No presente artigo abordaremos especificamente a teoria finalista aprofundada, uma vez que se trata daquela surgida de uma construção jurisprudencial, sendo, então, a mais aplicada em nossos Tribunais.

A teoria finalista aprofundada dá uma nova interpretação ao empresário-consumidor como destinatário final. Deve tratar-se de uma pequena empresa, verificando-se a sua vulnerabilidade ante o fornecedor, constatando-se, ainda, que o produto seja destinado a insumo para a produção, mas fora do objetivo primordial da empresa ou que possa ser considerado um produto misto.

Desse modo, partindo-se da teoria finalista aprofundada, é possível a aplicação do CDC aos contratos de compra e venda de imóvel, utilizando-se, para tanto, de recursos técnicos, especialmente o contábil.

Segundo A. Lopes de Sá (1969, p. 34), ativo imobilizado “É a parte do ativo que expressa os valores que não se destinam à venda, mas ao uso; tais valores, embora usados, ficam como que em reserva, porém sem nenhuma intenção de venda ou alienação”. O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu que bens adquiridos para o ativo imobilizado não servem à atividade de mercancia:

TRIBUTÁRIO – ICMS – BENS DO ATIVO FIXO – CONCEITO DE ATO DE
COMÉRCIO – VENDA OCASIONAL – CONVÊNIO 66/88 – LEI 6.374/89.
1. Sob a réstia de venda ocasional de bens do ativo fixo, não se configurando operação de objeto adquirido para servir a mercancia, não há a incidência do ICMS.
2. Precedentes jurisprudenciais.
3. Recurso improvido. (STJ, 1ª turma, REsp. 68455/SP, rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. 15.12.1995).

Do mesmo modo, o Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais também decidiu que os bens adquiridos para o ativo imobilizado não se destinam à atividade principal da empresa, ou seja, à atividade de produção da mesma:

CRÉDITO DE ICMS – APROVEITAMENTO INDEVIDO – BENS ALHEIOS À ATIVIDADE DO ESTABELECIMENTO. Constatado o aproveitamento indevido de créditos de ICMS em decorrência de aquisições de bens alheios à atividade do estabelecimento. Reformada a decisão anterior, para manter as exigências fiscais nos termos da reformulação do crédito tributário efetuada pelo Fisco. Recurso de Revisão conhecido, à unanimidade, e provido, por maioria de votos. (Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais, Câmara Especial, Acórdão: 2.897/03/CE , Rel. José Eymard Costa, j. 14.11.2003).

Há que se destacar a seguinte passagem do voto do Conselheiro Relator José Eymard Costa:

[…] É no ativo imobilizado que serão classificados os “direitos que tenham por objeto bens destinados à manutenção das atividades da companhia e da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os de propriedade industrial” (art. 179, IV).

Ainda, sobre a definição de ativo imobilizado leciona Hilário Franco: “desta definição, subentende-se que neste grupo de contas do balanço são incluídos todos os bens de permanência duradoura destinados ao funcionamento normal da sociedade e do seu empreendimento, assim como os direitos exercidos com essa finalidade” (Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações -FIPECAFI – pág. 198).

Assim, na hipótese de compra e venda de imóveis entre pessoas jurídicas, a empresa-consumidora será aquela que destinar o bem ao ativo imobilizado, porque o mesmo não constituirá parte integrante dos bens de produção. Nesse caso, será possível identificar perfeitamente o fornecedor do consumidor.

Em razão do critério contábil, com respeito ao fornecedor, é perfeitamente identificável a sua condição, porque a sua atividade é a compra e venda de imóvel. Isso que dizer: a mercadoria do fornecedor é o imóvel, por tal razão, o referido bem será lançado sob a denominação ativo circulante.

A mesma situação não se verificará quando duas pessoas jurídicas, ao mesmo tempo, lançarem a aquisição de imóvel na rubrica ativo circulante, pois é de se perceber que as duas empresas têm na sua atividade principal a mercadoria “imóvel”. O exemplo prático dessa situação seria a compra e venda de imóvel por duas empresas incorporadoras. Elas têm como objetivo comercial a compra e venda de imóvel.

Portanto, conclui-se que a compra e venda de imóvel entre pessoas jurídicas pode ser albergada pela legislação consumerista, adotando-se, para tanto, a teoria finalista aprofundada, na qual entende-se que há a necessidade do bem adquirido não integrar a formação dos bens de produção da empresa-consumidora. Nesse contexto, a vulnerabilidade é presumível, por lhe faltar o conhecimento técnico. Ela é vulnerável tecnicamente, porque não faz parte da sua expertise a compra e venda de imóvel.

Texto de Karim Amaral
Advogada Cível