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1ª turma do STF afasta prisão preventiva de acusados da prática de aborto

16 de Dezembro, 2016



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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) afastou a prisão preventiva de E.S. e R.A.F., denunciados pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro pela suposta prática do crime de aborto com o consentimento da gestante e formação de quadrilha (artigos 126 e 288 do Código Penal). A decisão foi tomada nesta terça-feira (29.11.2016), no julgamento do Habeas Corpus (HC) 124306. De acordo com o voto do ministro Luís Roberto Barroso, que alcançou a maioria, “além de não estarem presentes no caso os requisitos que autorizam a prisão cautelar, a criminalização do aborto é incompatível com diversos direitos fundamentais, entre eles os direitos sexuais e reprodutivos e a autonomia da mulher, a integridade física e psíquica da gestante e o princípio da igualdade (…).”

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Voto-vista. No exame da questão, o ministro Barroso assinalou que, conforme já havia assinalado o relator, o decreto de prisão preventiva não apontou elementos individualizados que demonstrem a necessidade da custódia cautelar ou de risco de reiteração delitiva pelos pacientes e corréus, limitando-se a invocar genericamente a gravidade abstrata do delito de “provocar aborto com o consentimento da gestante”. Ressaltou, porém, outra razão que o levou à concessão da ordem.

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Barroso destacou que é preciso examinar a própria constitucionalidade do tipo penal imputado aos envolvidos. “No caso aqui analisado, está em discussão a tipificação penal do crime de aborto voluntário nos artigos 124 e 126 do Código Penal, que punem tanto o aborto provocado pela gestante quanto por terceiros com o consentimento da gestante”, observou.

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Para o ministro, o bem jurídico protegido (a vida potencial do feto) é “evidentemente relevante”, mas a criminalização do aborto antes de concluído o primeiro trimestre de gestação viola diversos direitos fundamentais da mulher, além de não observar suficientemente o princípio da proporcionalidade. Entre os bens jurídicos violados, apontou a autonomia da mulher, o direito à integridade física e psíquica, os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, a igualdade de gênero, além da discriminação social e o impacto desproporcional da criminalização sobre as mulheres pobres.”

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Advertiu, porém, que não se trata de fazer a defesa da disseminação do procedimento – “pelo contrário, o que se pretende é que ele seja raro e seguro”, afirmou. “O aborto é uma prática que se deve procurar evitar, pelas complexidades físicas, psíquicas e morais que envolve. Por isso mesmo, é papel do Estado e da sociedade atuar nesse sentido, mediante oferta de educação sexual, distribuição de meios contraceptivos e amparo à mulher que deseje ter o filho e se encontre em circunstâncias adversas”.

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Para o ministro, é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos artigos 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. Como o Código Penal é de 1940 – anterior à Constituição de 1988 – e a jurisprudência do STF não admite a declaração de inconstitucionalidade de lei anterior à Constituição, o ministro Barroso entende que a hipótese é de não recepção. “Como consequência, em razão da não incidência do tipo penal imputado aos pacientes e corréus à interrupção voluntária da gestação realizada nos três primeiros meses, há dúvida fundada sobre a própria existência do crime, o que afasta a presença de pressuposto indispensável à decretação da prisão preventiva”, concluiu.

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No Brasil o aborto é tipificado como crime nas hipóteses abaixo elencadas, não se punindo apenas em casos de estupro,risco de vida para a gestante e anencefalia (ADPF 54).

C.P. Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

 Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:  (Vide ADPF 54)

 Pena – detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena – reclusão, de três a dez anos.

 Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante:  (Vide ADPF 54)

Pena – reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência

Forma qualificada

Art. 127 – As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas      causas, lhe sobrevém a morte.

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:  (Vide ADPF 54)

Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

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Fato é que a recente decisão do STF traz um novo entendimento sobre o aborto. No caso do Julgamento do Habeas Corpus – 124306, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela liberdade dos pacientes denunciados pelo Ministério Público, por não estarem presentes os requisitos que autorizam a prisão cautelar, o que é fundamentado no fato de ser incompatível a criminalização do aborto com diversos direitos fundamentais.

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O entendimento do Ministro Luís Roberto Barroso é de que o Código Penal de 1940 não é compatível com a Constituição de 1988, não se coadunando com os direitos fundamentais, “sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada”.

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Esta decisão do STF, no julgamento do HC, entendeu pela não criminalização do aborto, se a interrupção ocorrer voluntariamente nos três primeiros meses da gestação. É uma mudança de paradigma no cenário jurídico. Votaram pela descriminalização Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Edson Fachin.

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Os fundamentos da decisão pela descriminalização do aborto no primeiro trimestre da gestação estão alicerçados nos seguintes direitos constitucionais: violação a autonomia da mulher; direito a integridade física e psíquica; direitos sexuais e reprodutivos; violação a igualdade de gênero; violação ao princípio da proporcionalidade; subprincípio da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; além de discriminação social e impacto desproporcional sobre mulheres pobres.

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A decisão apesar de ser específica para o julgamento do caso concreto, levanta uma discussão sobre tema de grande relevância e atual para toda a comunidade jurídica, assim como para a sociedade, reabrindo o debate que divide entidades religiosas e grupos pró-escolhas.

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O voto abarca os direitos fundamentais afetados e aviolação àautonomia da mulher na medida em que “a autonomia expressa autodeterminação das pessoas, isto é, o direito de fazerem suas escolhas existenciais básicas e de tomarem as próprias decisões morais a propósito do rumo de sua vida.”

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Se por um lado há correntes contrárias ao aborto, por outro há correntes que ponderam a liberdade de escolha da mulher em levar a termo uma gestação que somente a elas restarão as responsabilidades e assunção de obrigações para o resto da sua vida quanto ànova vida que está sendo gerada.

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Com tal decisão nota-se um avanço no pensamento e entendimento quanto aos direitos relativos àautonomia da mulher.

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No mesmo sentido do voto, Hans Kelsen defendeu em seu livro“Teoria pura do direito” que Direito e Moral devem ser vistos de forma separada. Para ele, existe problema quanto a colocar esses dois no mesmo âmbito, pois não existe uma Moral absoluta, existindo sim, uma moral relativa, que muda com o tempo. Dessa forma o Direito tem que estar acima disso, pois ele deve estar imune dessas possíveis mudanças que a moral sofre, não sendo afetado por elas. Com este pensamento, Kelsen identifica o papel daciência jurídica como de somente conhecer e descrever o Direito.Com efeito, a ciência jurídica não tem de legitimar o Direito, não tem por forma alguma de justificar – quer através de uma Moral absoluta, quer através de uma Moral relativa – a ordem normativa que lhe compete – tão-somente – conhecer e descrever. (KELSEN, 1998, p.49).

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Assim é que o Direito, assim como o Estado, deve proteger os direitos de todos.Independentemente de estar de um lado ou outro, deve ser imparcial e, nas palavras do Ministro, deve estar tanto ao lado da mulher que deseja ter um filho, como ao lado da mulher que não deseja ter um filho. Portanto, deve o Estado ser imparcial.

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A equipe da VK Advocacia Empresarial continua atenta e encontra-se à disposição para mais esclarecimentos, bem como para tomar as medidas necessárias ao reconhecimento dos direitos de seus clientes.

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Texto de Ana Paula N. Marcato

Referência:Habeas Corpus (HC) 124306

Citações:Kelsen, Hans, 1881-1973.

Teoria pura do direito / Hans Kelsen; [tradução João Baptista Machado]. 6ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1998. – (Ensino Superior)

Titulo original: Reine Reehtslehre.

ISBN 83-336-0836-5

  1. Direito – Bibliografia 2. Direito – Estudo e ensino 3. Direito – Filosofia I. Titulo. II. Série